terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Tio Virgílio, passei por aqui para dedicar um tempo à escrita desse breve texto. Antes de tudo, sabe da admiração que tenho por você, por isso, não seria justo que postasse simplesmente algo que não fosse de minha autoria. Quero que saiba do grande carinho e respeito que tenho por você. Tenho a certeza que a sua existência marcada na minha vida não é algo por acaso, nesse sentido, agradeço sempre por permitir que estivéssemos juntos mais um ano. Levarei comigo onde quer que esteja as suas opiniões,valores e visões de mundo que me acrescentam muito. A sua generosidade me constituiu como ser humano, nunca esquecerei da sua presença no momento que mais precisamos de você: a viagem do meu pai e de minha avó. Assim, de forma simples, como a vida deve ser,quero que o ano de 2014 seja de muita alegria e paz de espírito para todos e todas próximos a você. Desejo ainda que a sua vida seja marcada por coisas boas, que possam torná-lo melhor como pessoa nesse mundo que precisa muito de generosidade.Quero também que as nossas conversas continuem, pois eu aprendo muito com você. Mais uma vez, digo, sinto muito orgulho em ser o seu sobrinho e não escondo de ninguém esse apreço. Muita luz e muita paz!!! Feliz 2014!!!!!!!!!!
Oi, Bruno Roger, achou que me esqueceria de passar por aqui ? Não faria isso porque você é alguém que tenho um carinho enorme. Sabe, quando estudei com você analisava muito o seu jeito de ser, analisar é algo idiossincrático a mim, você sabe disso. Então, percebia o quanto carregava valores que infelizmente estão caindo em desuso. Via em sua maneira de sorrir para a vida uma simplicidade que anseio resgatar em minha vida. Constatava ainda uma generosidade no olhar que cativa e ampara quem precisa de palavra e apoio e ao conhecer a sua mãe entendi de onde emanava essa simplicidade no olhar. Assim, compreendi que valeu muito a pena ter transferido o curso de Inhumas para Anápolis, pois conheci pessoas maravilhosas das quais levarei pela via afora e você é uma dessas pessoas que acrescentam muito e alegra a todos e todas em sua volta. Quem o conhece sabe que tenho razão. Espero que o ano de 2014 seja repleto de coisas boas,sobretudo, saúde, alegria e paz de espírito, valores que precisam ser resgatados pela humanidade.Desejo ainda que a sua família seja amparada pela Luz Maior que fortalece e revitaliza o nosso espírito. Muito obrigado pela amizade e carinho que sempre devota a mim. Que venham novos caminhos em nossas vidas, quero aprender muito com a sua forma de entender o mundo. Conte comigo, sempre! Feliz 2014!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Minha querida Helen Cristina, queria dizer aqui algo que já venho dizendo há muito para você: o quanto adoro a sua presença. Gostaria de agradecer sempre o carinho e a gentileza com que trata a nossa amizade. Para mim você é uma joiarara da qual não podemos deixar de ter por perto. A sua família com certeza não resta dúvidas, tem muito orgulho de você assim como eu. Esse ano de 2013 foi um ano de muita luta para nós, queríamos fazer a diferença num mundo padronizado que teima em nos colocar iguais. Posso dizer que vencemos essa imposição porque juntos aprendemos que o conhecimento nos liberta das amarras e você , também, está conseguindo romper aos poucos com tantas crenças dadas não é mesmo? Quero de forma muito singela materializar aqui o quanto tenho orgulho de você. Agradeço a Deus@ todos os dias porque uma das melhores coisas que aconteceram na graduação foi eu ter o olhar sensível ao seu e enveredarmos nesse caminho fraternal. A sua amizade para mim é de grande importância porque me faz ver quem eu sou e o que posso não ser, me faz perceber que posso ir mais longe do que acredito. Desejo coisas melhores a ti e peço que tenha um olhar sensível diante da vida para decodificar os recados que nos chegam pelas cartas diversas nas relações humanas. Que estejamos juntos e fortes nesse ano que se apresenta. Com muito carinho, obrigado pela presença em 2013. Você é muito especial. Feliz 2014!!!!!!!




Pedro Faria, meu querido amigo, não tenho palavras para materializar o meu sentimento de carinho e respeito por você. Não seria justo dedicar tempo para a escrita aos amigos e deixar de mencionar você. Lembro-me quando cheguei a Inhumas, o primeiro a me estender a mão foi um rapaz de olhar tímido. Naquele momento, sentia-me deslocado porque vinha de outra cidade e Deus num instante me colocou uma pessoa generosa para receber um rapaz de “segunda chamada” na universidade. Não sou de falar muito, você me conhece, mas sou de exteriorizar o que sinto ou pelo menos tento. Sabe também que não importo com a redundância quando se tem em mente uma possível omissão. Deste modo, não poderia encerrar o ano de 2013 sem ao menos mencionar o quanto sou grato pela sua amizade. A sua generosidade me faz sentir bem e percebo a partir dela que posso ser humano também, tenho a capacidade de ser simples, não esquecer minhas raízes, onde quer que chegue ou esteja. O seu nome, não por acaso, significa pedra, fortaleza, que nos incita a seguir sem medo. O seu cuidado e o respeito tido pelas pessoas só denotam os valores dados pela sua família e isso o torna maior do que imagina. Sei que essa não é somente a minha opinião, é a de muitos que o conhecem e convivem com você. A simplicidade que percebo no seu olhar são pérolas dadas pelo seu pai e mãe que o menino de Mossâmedes traz para mostrar que a vida é feita de coisas simples; é isso que o torna grande. Por meio da sua simplicidade constato que o importante são os momentos de qualidade que passamos ao lado de quem gostamos. Por isso, peço que agradeça diariamente por ser privilegiado com esses valores semeados em sua alma. Nesse contexto, adoraria dizer muitas coisas, mas, me embargo a escrita e a voz porque sinto que não tenho muita proficiência para falar e escrever em público. O que preciso que saiba, já disse pessoalmente e reitero sempre a você quando nos encontramos. Tenho esse posicionamento para que as palavras não se tornem vazias, porque quando encontro com você em Inhumas sinto que sou grande e que posso brilhar, já que você brilha com o luzir da humildade. Isso só é possível porque é generoso. Puxo muito a sua orelha e exijo ainda em grande quantidade a sua fortaleza diante das intempéries da vida, porque quero que você reflita sobre as suas crenças que de vez em quando o atrapalham. Faço isso porque sei que pode ir mais longe do que imagina. Não seria o seu amigo se não brigasse com você, pois amigo é aquele que nos chama à repreensão quando não vemos os sinais da vida. Assim, encerro essa breve escrita num tom de gratidão, melancolia e saudosismo, para sinalizar aqui o desejo de que o ano de 2014 seja o tempo da reflexão e de conquistas, não somente materiais, mas, aquelas que poucos vêem e sentem, das quais somente os espíritos nobres acessam. Sinto muitas saudades das nossas conversas, somada a falta do seu olhar crítico e cauteloso diante da vida. Peço que me perdoe pela ausência temporária, sabe o quanto tive de recusar muitas coisas para concluir mais uma etapa na vida, no entanto, você sempre estava e estará em minhas preces e pensamentos. Peço a Deus e a você, que no ano nascente possamos aprender muito com a nossa amizade pelos próximos anos e desejo que a Luz e a Paz sejam espargidas para todos e todas de sua família. Feliz 2014!!!!!!!!!!!!!

sábado, 28 de dezembro de 2013

Reflexões virtuais no final de 2013

A intenção dessa escrita é refletir sobre o ano que se finda na vida social∕virtual. Para esse intuito, necessário se faz que esse texto haja um tom confessional. A partir de algumas leituras de Foucault, percebo que o nosso tempo herda o confessionário como atributo social que nos marca e posiciona no mundo. Desde séculos da Idade Média, a igreja nos impõe confessar sobre os nossos pecados e mazelas para sermos absorvidos da nossa impureza por alguma instituição . Na atualidade, a confissão se materializou com novas roupagens que foram rompidas pelas redes sociais e outras mídias. É o que acontece diariamente quando “compartilhamos” os nossos medos, anseios e alegrias para todos e todas nos blogues, nos posts ou na imposição doentia facebookiana do “no que você está pensando”. Deste modo, como proposta de lançar novos questionamentos, como dito anteriormente, movo essa escrita confessional para encerrar esse ciclo da nossa vida: o ano velho .
Quem me conhece mais próximo sabe que esse ano de 2013 não foi fácil. Foram muitas recusas e entregas para chegar numa conclusão satisfatória do que planejara em 2012. Nesse ano que finda, posso pensar o quanto a minha vida foi profícua, pois fiz coisas que gosto muito como escrever e viajei em diferentes eventos acadêmicos rumo à socialização dessas escritas para que crescesse com outras vozes. Conheci novas pessoas que me somaram no saber da vida. Nesse tempo de 2013 neguei muitas amarras, que, de certa maneira, foram impostas nas relações sociais desde tenra idade. Uma destas negações foi que não queria pensar do mesmo jeito que pensava antes. Almejava ir adiante para crescer como ser humano e libertar-me dos processos discursivos de vitimizações que nos entrelaçam no cotidiano da vida. Queria ser maior para alcançar outros projetos e com isso, contribuir com a minha participação no mundo. Entretanto, chorei, senti dores na alma e no corpo e pude mais uma vez aprender com os sinais do universo de que algo precisava ser (re)pensado.
Ao passar por processos de renúncias refleti e notei o quanto há pessoas que se deixam condicionar pelo discurso da moda contemporânea do “não tenho tempo”, “estou correndo com a vida”, quando tiver um tempo... tempo... tempo, te ligo. Confesso que fiquei preocupado porque estava incorporando esses mesmos dizeres.  Dessa maneira, enxerguei que devemos rejeitar essas vozes porque nos entorpecem os sentidos humanos e nos transformam em máquinas frias e impessoais diante da existência. Dito de outro modo, constatei que a nossa vida não pode ser pautada somente por postagens frígidas e impessoais de feliz aniversário, feliz natal, feliz ano novo etc e tal. A vida definitivamente não está circunscrita a partir de fotos que corroboram uma suposta felicidade e bem sucedida existência ou de interações imagéticas do ser humano. Não, não e não, nego isso. A vida é mais que celebrar curtidas virtuais. A vida é subversão de muitas coisas, dentre tantas, o que é imposto e dado de forma natural que ensina a força do consumo e do ter, como sinônimo de “bem-estar-feliz”. Definitivamente essas práticas realmente não enobrecem os outros e nem nos tornam melhores; fui incompreendido por muitos por não aceitar essa imposição.
Refleti acerca do tempo e entendi que quando se quer tempo para o outro importante para nós, há sempre a possibilidade de alterar a jornada diária condicionada no ganhar dinheiro e “sobreviver” para estar ao lado de quem amamos, afinal, não é a quantidade dos encontros, mas a qualidades destes que soma nas relações de afeto. Como um flâneur, observei que não amamos todas as pessoas de nossa rede virtual, como bem afirmam alguns por aqui, pura ilusão. O amor não pode ser um sentimento banalizado. O amor é algo além daquilo que é dito para agradar sobre o que queremos ouvir. Nesse sentido, o amor pode ser demonstrado no momento em que segura a nossa mão em momentos de desordem e caos, e não somente amar é quando se diz tudo aquilo que o nosso ego quer ouvir, mas, devemos também amar quem nos faz recusar o que somos, posto que nos ajuda a transformar a nós mesmos na desestabilização do instituído. Essas pessoas posso dizer que são os nossos verdadeiros amigos, porque nos auxilia a recusar o que somos para sermos melhores e mais sensíveis ao alheio. O novo ano pode ser a promessa disso.
Visualizei em parte na rede muitas coisas acerca do estilo de vida virtual, como por exemplo, as existências marcadas por closes, flashes, fotos e ditos exacerbados, condicionados por uma espécie de “espetacularização do eu”, como forma de demonstrar sucesso, afeto, e “felicidade”, mesmo que em algumas vezes negligencia-se o privado. Privacidade é uma palavra em desuso na sociedade contemporânea, já que estamos o tempo todo vigiados pelos celulares, câmeras e holofotes com uma constante obrigação em levar para o público a nossa vida: filma-se e∕ou tira fotos do almoço, jantar, restaurante, o lazer, o sexo, o nascimento, a morte. Contudo, pode não ser um caminho muito saudável, porque nos deixam dependentes e viciados na tentativa de angariar curtidas e compartilhamentos o tempo todo, para isso, vale a invasão ao direito do outro à privacidade, numa mórbida fissura de tirar foto de todo encontro casual. Quem vai à contramão disso é tido como “anti-social”, tecnófobo e “chato”. Ainda nesse contexto, vi também o lado positivo dessa “rede social”, como as pessoas mil que não se falam nem um minuto na rede e∕ou corredores da vida, porque há uma imposição simbólica da quantidade de “amigos”, como atributo de popularidade. Não, não e não, isso não é sociabilidade, isso é mediocridade.
Posso dizer que tenho poucos amigos verdadeiros em minha vida que colaboram e me faz melhor no dia a dia e estes não estão limitados a rede social de jeito nenhum. Esses amistosos sabem sobre mim, conhecem as minhas angústias, alegrias e, da mesma forma, procuro saber do outro para retribuir nos momentos de angústias, alegrias, o crescimento que ambos obtiveram. Os meus poucos amados, falaram comigo nesse ano, ligaram, tomaram sorvete, viajaram e souberam o quanto preciso do amparo cuidadoso desse sentimento fraterno. Esses encontros só foram possíveis porque disponibilizamos tempo de nossas vidas “corridas” para estarmos juntos.
Dessa maneira, resolvi dedicar tempo precioso para dizer nesse texto sobre a importância de não se viver como robôs, frios e previsíveis no ato de executar uma tarefa. Quando se trata de humano, de relações afetivas, devemos questionar esse novo modelo de vida imposta com naturalizações, afinal, não é natural, substituirmos as nossas relações afetivas pelo virtual, pelo torpedo impessoal, pelo recado ou pelos emails descompromissados, embora haja uma corrente de pensamentos que defendem esses recursos como aproximação social. Ainda que acredite em partes nesses discursos, analiso-os e concluo que se faz necessário resgatarmos o “tete a tete”, a pele a pele para sermos vivos e humanos.
Quase por fim, compreendo diante do que apreendi nas redes sociais, que, esse tempo atual é o lugar que se vivencia uma nova ordem social, discutida por Gay Debord (Sociedade do Espetáculo) e Mario Vargas Llossa (A Civilização do Espetáculo), em que o espetacularizar é recorrente e se torna uma prática social aceita e valorizada da qual a sociedade do consumo não se esquivará tão fácil. De tal modo, concebo que esse espetáculo fabrica pessoas que estão perdidas pela lógica do consumo, do sonho realizado por um “deus” indecoroso que protege poucos e privilegia alguns. Nesse contexto, o que mais constatei no facebook no ano de 2013 foi o dito ∕escrito “você merece” após a postagem do carro novo, da casa, do namorado ou namorada, do novo corpo. Ora, esse discurso do mérito aniquila e insubordina o social, pois dá lugar ao outro de fracassado sem questionar as práticas sociais e econômicas, uma vez que subentende que, aquele não possuidor dos bens de consumo merece esse destino devido a incapacidade de servir esse “deus”  implacável que escolhe a dedo quem deve agradar com as recompensas para se espetacularizar na “vida de sucesso”.
Portanto, nesse novo ano que se mostra pela fenda do tempo, desejo a todos e todas mais reflexão convergida com a emoção. Para decodificarmos as cartas do universo que nos chegam precisamos de sensibilidade e atenção, e o mundo moderno entorpece esses atributos. Temos uma herança que de certa forma matou o humano, o pensamento cartesiano, que assevera uma incongruência do ser racional e emocional. Estes predicados digladiam e não se aceitam, porque foram-nos ensinados que a razão é superior à emoção. Entretanto, com os olhares atentos pude libertar-me dessa outra amarra, pois entendi que posso ser sensível e racional sem sentir culpa. Que esse ano vindouro possibilite novas trocas, saberes, dúvidas e novos caminhos que nos façam recusar o que somos para pensarmos diferentes do que pensamos hoje. Feliz 2014 a todos e todas por aqui e muita saúde e paz !!!

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

O Direito ao gozar sem repressão!




Há muito tempo as mulheres estão sendo violentadas nos seus direitos em exercer as sexualidades como convêm. Eu, ao passo que sou estudante de alguns campos teóricos relacionados às sexualidades, gênero e discurso e um cidadão consciente de seus direitos e deveres sociais, abomino a amputação de direitos às sexualidades, ao exercício destas como direito à sua plenitude. As mulheres, embora os mais conservadores não creem, têm o direito de se relacionar com homens, mulheres e/ou outras identidades para gozarem, amarem ( caso queriam). O gozo não pode circunscrever somente ao lado do (hetero)normativo, do instituído e aceito como "normal", mas, o gozo pode e deve fazer parte de todas as identidades que são "anormais"-fora da norma. O gozo-ar não pode ser algo que está fadado ao fim do "ser homem", do " ser macho, mas, o gozo-ar pode e deve circundar as intersecções que permitem vivenciar as sexualidades no meio e fora do centro. Subverter esse centro significa dizer que, na maioria das vezes, contestamos aquele que domina e determina o modelo a ser seguido para viver as sexualidades, negamos o esquadro que anseia tornar "cor-reto" as sexualidades alheias.Dito de outra forma, refuto toda forma de insubordinação e opressão da outridade alheia, nego que as sexualidades possam ser controladas por discursos e práticas aceitas pela sociedade, ainda que saiba que são controladas, policiadas e governadas para a docilidade . Sinto-me indignado em relação aos homens machistas e porque não, algumas mulheres ( puritanas-machistas) que não gozam, não sabem o que é sentir prazer, a não ser, quando, de forma insubordinada, transam com os seus maridos para procriação porque foram ensinadas desde o útero materno o que é "ser mulher" e qual deve ser o corpo governado dessa mulher para ser boa, pura e dócil. Assim, o mito do sexo para procriação é tratado como se fosse a causa única de ser e estar no mundo no cumprimento de papeis sociais. Nesse sentido,na medida em que controlamos o sexo dos outros e o policiamos, governamos os seus corpos e assim, concordamos com o apagamento desses corpos, corpos sociais mutilados, desejos invisíveis e negligenciados por uma lógica perversa que se perpetua desde milênios. Ou seja, todo esse respaldo social serve para dominar e legitimar as práticas sociais hegemonicamente machistas que excluem a diversidade humana no uso do atributo afetivo-sexual. Não podemos concordar com o retrocesso, as mulheres, os gays, as lésbicas, as transexuais, as travestis e outras identidades de gênero têm o direito de gozarem e não serem ridicularizad@s na mídia, na sociedade, nas redes sociais, porque gostam de sexo, gostam de vivenciar o direito ao prazer que durante séculos foram negados..

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Gratidão ao médico



“Prometo que, ao exercer a arte de curar, mostrar-me-ei sempre fiel aos preceitos da honestidade, da caridade e da ciência”
Esse excerto acima é o juramento de Hipócrates que vem de encontro à nossa tentativa em refletir sobre a medicina na atualidade. Acho importante que nós cidadãos façamos sempre que possível, críticas e ressalvas aos bens públicos oferecidos pelos governantes. Quando não satisfeitos, podemos exercer a escrita como algo que permite a inserção no mundo social do qual fazemos parte porque a linguagem constrói a nossa realidade e a molda em diferentes práticas sociais. Dessa maneira, esse texto não tem o intuito de denunciar nenhum órgão público quanto ao seu serviço. Não tem o intuito de dicotomizar a figura do médico em “mocinho” e “vilão” como se tem evidenciado na contemporaneidade. Pelo contrário, essa escrita evidencia gratidão pela prestação de serviço oferecido pela rede pública de saúde, sobretudo, na prestação de serviço dada por vários profissionais teimosos contra o sistema instituído que validam o juramento de Hipócrates na labuta diária. Aqui os homenageados têm nome. Contudo, poderia ser quaisquer médicos do nosso Brasil que lutam contra um sistema falido sem condições mínimas de dignidade no ofício da medicina. 
Dias atrás, recorri ao médico em função de problema de saúde, indo até o posto próximo ao meu bairro. Nunca havia consultado com esse médico que chegara pouco mais de um ano. O seu nome, Leonardo Driessen Rodrigues Carvalho, prestador de serviço do Programa Saúde na Família (PSF) no Jardim Suíço na cidade de Anápolis. Fiquei impressionado com a organização e limpeza desse recinto. Embora já houvesse prestado serviço para a prefeitura Municipal de Anápolis na confecção dos cartões do SUS em anos anteriores, havia muito tempo que não ia até essa unidade de saúde. Atento, com o meu olhar perscrutador, por sinal, habilidade desenvolvida na reflexão diária de pesquisador, comecei a sondar o ambiente que voltara como paciente e não prestador de serviço de outrora.
Fiquei impressionado ao longo das minhas idas e vindas, com tantas pessoas falando de um médico, jovem e atento à comunidade local. Ao indagar algumas pessoas sobre esse médico, as pessoas me confessavam que adorava esse profissional porque ele era atencioso, gentil e excelente pessoa. Ora, fiquei pensando sobre essa suposta atenção, que até então não havia confirmado para mim. Seria diferente o que se ouve e propaga no senso comum? De que os médicos são impessoais e frios? Sim, seria.  Então, após ouvir essas polifonias ressoantes, pude perceber que as pessoas querem se sentir valorizadas. Constatei nesse breve momento, que as pessoas ansiavam ser reconhecidas com as suas mazelas e tratadas como cidadãs que pagam os seus altos impostos para alimentar a máquina pública no Brasil. Assim, nesse recinto em Anápolis, o que ocorria é a valorização do ser humano. Inferi que as atendentes desse posto têm também como incumbência mitigar o desumano que muitas vezes presenciamos em diferentes clínicas e hospitais (públicos e/ou privados) nas grandes cidades e nos interiores.  Os pacientes ali são tratados como humanos. São seres que, por diferentes motivos se sentem fragilizados por algum mal e/ou doença que bate à porta e que almejam a cura. Cheguei à conclusão que o respeito e a prestação de serviço ética dada pelos profissionais da saúde que ali estão são capitais para que os pacientes se sintam valorizados, cuidados e amparados. Assim, constatei que esse jovem médico, cujo nome é Leonardo Carvalho, atende as pessoas com respeito e tratamento humano, como se confirmou nas vozes que ecoaram até mim enquanto estive passando por ali em retornos de consulta. Queria ouvir aquelas pessoas e sai da recepção para sondá-las enquanto aguardava a minha vez. Embora não fosse nenhuma pesquisa etnográfica, queria perscrutar e entender esse processo.  
Lembrei no momento que ouvia alguns pacientes no posto, da minha querida amiga Aline Neto de Almeida, médica neurologista em Goiânia. Lembrei-me de suas agruras diárias para o sonhado exercício da medicina. Foram tantas lutas para se formar médica. Foram tantas horas de sua vida dedicada para forma-se com qualidade. Noites de estudos e excessiva carga de motivação para ser algo que escolhera. Notei que o mesmo olhar que circundava Aline, rodeava Leonardo, cercava outra médica também da qual pude conhecer nesse mesmo posto de saúde: Simone Afonso Boasorte, profissional à época do PSF. Os olhares desses profissionais doam atenção, respeito e dedicação aos seus pacientes. Para mim esses profissionais evocavam força e equilíbrio, força motriz para o mitigo da dor do outro que ia além de uma prescrição de remédios.
Posto isso, a atitude de prestar serviço de saúde para a comunidade com o mínimo de decência e respeito deveria ser para nós algo natural e não fora do comum. Infelizmente, sabemos ao transitarmos pelos grandes centros de nosso país e porque não em nossas cidades do estado, que isso não acontece. Ainda que o meu olhar seja limitado para saber as causas desse processo de impessoalidade e banalização da vida humana, percebo que há um negligenciamento por parte de alguns gestores públicos para a efetiva prestação de qualidade da nossa saúde. Vivemos tempos em que a sociedade vive num “mundo em descontrole”, como bem afirmou Antony Giddens. Habitamos um mundo caótico, ou numa concepção baumaniana, um mundo marcado pelas relações líquidas em que os descartes tornam-se valorizados para a convivência humana. São os tempos líquidos, tempos esses que coisificam o humano e alienam o processo do convívio social e do processo de exercício das profissões. Com a saúde não seria diferente: médicos (e pacientes) estressados, coisificados, mal pagos, sem condições mínimas de atuação profissional. Pacientes deixados como animais nos corredores de hospitais para o ‘abatimento social’. Muitos deixarão de existir não porque os médicos falharam, mas, porque o sistema falhou e negligenciou em suas políticas públicas de saúde o mínimo para o cidadão. Assim sendo, pude perceber que o caos das relações humanas é subvertido por esses médicos que teimam oferecer algo a mais que um simples olhar técnico e prescritivo aos seus pacientes. É sovertido esse caos porque atendem aos pacientes olhando nos seus olhos, vendo-os como pessoas humanas. Atentos não somente ao ser biológico, mas, ao ser psico-bio-socio-cultural que somos.
Diante do que analisei em relação à atual conjuntura dos médicos no país, algo me deixou pensativo em relação ao programa PSF e ao profissional Leonardo Carvalho e a tantos outros que possam existir por aí. Sem o devido investimento neste profissional, a comunidade local pouco poderá usufruir. Primeiro que, quem é bom naquilo que faz quer ser reconhecido também como tal em nível salarial. Quem quer o respeito como profissional exige condições mínimas para suturas e feitura de curativos, remédios de menor complexidade acessíveis para a população. Ou seja, os médicos e demais profissionais querem o básico de toda prestação de saúde com o mínimo de qualidade. Segundo, quem oferece o melhor quer o melhor como retorno. Portanto, constato, após voltar três vezes no Jardim Suíço, que a comunidade atesta a prestação de serviço humanizada dada pelo médico em questão. No entanto, sem investimento e políticas públicas de permanência desse bom profissional médico a sua saída futura poderá ser inevitável. Como já aconteceu com a médica Simone Boasorte e tantos outros em nossa cidade.
O que quero dizer com isso? Quero (re)afirmar a necessidade de se investir no profissional médico que trata os seus pacientes como seres humanos, com atenção e respeito. São esses profissionais que a sociedade necessita valorizar e que o prefeito tem de ter participação. Os profissionais que prestam serviço público de qualidade deveriam ser os melhores remunerados porque o país, o Estado, os municípios, a sociedade, ganhariam com o bem estar dos cidadãos e estariam reconhecendo o direito alienável à saúde tão preconizado pela Constituição Federal em seu artigo sexto. Afinal, não basta que pague bolsas de estudo e permanência pelo país afora sem que haja condições mínimas de atuação do médico na comunidade local. Defendo por exemplo, a permanência do profissional (professor, médico etc.) próximo à comunidade. Os laços que se estreitam estabelecem vínculos importantes na compreensão do ser humano que vir a adoecer ou ter dificuldades de aprendizagem. No entanto, parece que os bons profissionais se não bem reconhecidos, fogem dessa comunidade rumo a outros centros/setores que os valorizem. Há uma política instituída do desafeto em nossos setores públicos na medida em que não há a possibilidade de profissionais serem concursados. Portanto, os contratos temporários de prestação de serviços abarrotam o serviço público sem oportunizar o acesso ao profissional competente assumir o concurso público.
 Por fim, com a mesma leveza e atenção dada a mim e a tantos ouros pacientes dessa comunidade da qual faço parte, escrevo esse texto para materializar a minha gratidão por ainda haver profissionais dedicados em seu ofício escolhido. Profissionais da envergadura de Simone Boasorte, Aline de Almeida, Leonardo Carvalho, quero aqui, que a vozes dos pacientes anônimos se entrecruzem à minha para dizer que temos orgulho da profissão escolhida por vocês. Leonardo Carvalho, que a sua prestação de serviço continue indo além do simples olhar técnico. A sua dedicação pelo que constatei, vai de encontro aos moldes avançados de outros países que preconizam ouvir o paciente, tratá-lo como humano (de forma pessoalizada). Sabemos que, para compreender e curar uma patologia é necessária a compressão do humano como uma teia complexa de relações psicossociais. Afinal, somos mais que unidades biológicas. Somos seres psíquicos, culturais, sociais e espirituais. E como tais, somos seres humanos com histórias, vivências e culturas localizadas em tempos e espaços diferentes. Obrigado pela prestação de serviço na comunidade do Jardim Suíço em Anápolis. Você é motivo de orgulho de todos nós que convivemos nessa jornada social diária.  
Texto publicado no Diário da Manhã/Opinião Pública em 23out.2013. Disponível em: <http://www.dm.com.br/jornal/#!/view?e=20131023&p=24>

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

A educação está de luto no dia dos professores


Hoje, dia do professor, gostaria de parabenizá-lo pelo seu oficio. No entanto, na atual conjuntura, isso não é possível porque muitas coisas na educação não estão coerentes, não estão no lugar devido. O que move essa escrita é a indignação e a falta de respeito direcionado diariamente aos docentes sob diferentes maneiras. Essas formas direcionadas são simbólicas e silenciosas, que passam às vezes despercebidos pela maioria da sociedade. Assim, esse texto caro (a) leitor(a) tem um significado de protesto que representa as tantas vozes que tornaram-se emudecidas pela violência imputada a aos docentes. 
De acordo com o jornal Folha de São Paulo (Fábio Takahashi em 11/11/2011), os candidatos selecionados no último concurso tiveram uma média de desistência muito alta. Após dois meses de ingresso nesse concurso, a média de pedido de exoneração era de dois professores por dia. Em convergência a esse fato, dois anos depois, segundo a revista Veja (edição 01/09/13-seção Educação), a média de pedido de exoneração no estado de São Paulo entre os anos de 2008 a 2012 foram de 3000 professores por ano. Já a notícia veiculada pelo jornal O tempo (seção Cidades- publicado em 23/09/13), dão-nos conta de que a cada dia cinco professores concursados pedem demissão em Minas Gerais. Por que trago esses rápidos dados? Para pensarmos nesse dia do (a) professor (a) e refletir sobre essa desistência desses profissionais. O que tem feito esses profissionais abrirem mão do tão sonhado concurso público e a sua possibilidade de estabilidade?
Em tempos longínquos, a educação não era assim. O professor era célebre pelo saber que possuía. Pode-se afirmar que o momento de um suposto reconhecimento dessa profissão deu-se aproximadamente na década de 40, quando o seu salário e status poderia ser comparado ao de um juiz. Para as professoras e pesquisadoras Paula Perin Vicentini e Rosario Lugli, especialistas no tema e autoras do livro “História da Profissão Docente no Brasil: representações em disputa” não há concordância a esse status, pelo contrário, segundo as autoras, nunca ficou a evidência de que esse fato realmente existiu. Em décadas anteriores exigia-se desse profissional uma cultura ampla, pois era ensinada na escola (elitista, para poucos) arte, literatura, latim, francês, inglês, etc. Portanto, era uma escola que se fazia admissão para poucos terem acesso e serem treinados para cargos de liderança na sociedade. A escola pública ainda não era prioridade do Estado. Com o advento da industrialização no Brasil, foi necessária a criação de uma escola de massas, pública, que colocassem ‘operários’ mais letrados para uso das máquinas e das funções que se exigiam à época.
As fábricas, nesse sentido, foram importantes para construir o modelo de escola que temos: disciplinadora, reguladora, que dispõe em forma de grade o currículo e as disciplinas (note-se que disciplina é palavra de ordem reivindicada nos manicômios, presídios etc.). Nas fábricas e escolas ainda ecoa o som diário que sinaliza aos disciplinados a hora de recolher às atividades laboriosas. Pode-se afirmar que o processo de formação de professores também obedeceu às políticas de massas. Na medida em que se criaram diferentes polos e universidades, os cursos de licenciaturas ofertados tornaram-se ou pretendiam se constituir uma política pública (ineficiente) para que os professores já atuantes pudessem ter curso superior, uma vez que muitos ainda possuíam ensino magistério (técnico-Normal) ou até fundamental (basta ver o Norte e o Nordeste, por exemplo). Infelizmente, na medida em que foram criando mecanismos para que outros formassem professores, o nível da oferta e procura cresceu rapidamente sem se preocupar com a qualidade dessa formação. Muitos governos priorizavam estatísticas que validassem uma excelente formação de professores sem questionar como e qual o motivo formar professores. Portanto, a educação nesse molde da formação em série com o simples intuito de suturar feridas históricas acerca da falta de qualidade no ensino imputados aos profissionais da educação sem a escolaridade exigida , serviu para fazer com que muitos docentes fossem reconhecidos pelos governantes como meros profissionais que executam, cuidam, e cumpre o que é determinado via documentos determinados pelos gestores públicos. Nesse sentido, é possível afirmar que houve (ou ainda há) uma preocupação dos nossos governantes somente com os números e estatísticas, que não significavam nada quando se pensa em qualidade oferecida aos discentes pelo Brasil afora. Assim, a educação passou a ser enviesada pelos moldes neoliberais que transfere a responsabilidade para o mercado e/ou instituições privadas (na maioria instituições financeiras poderosas, atreladas ao discurso do investimento social) que ‘enlatam’ o que deve e pode ser ensinado em sala de aula. Para nós, esses mecanismos tornaram-se a materialização dos “inimigos da escola”, unidos a “Projetos Jovens sem Futuro”. Porque é isso o que acontece quando não se discute educação com quem entende de educação: negam direitos legais ao acesso e permanência de quem precisa da escola pública (de qualidade).
A lógica neoliberal tem uma grande contribuição para o cenário que se desenha em nosso Brasil no que tange à educação. Ao instituir fórmulas e metas exigidas pelo Banco Mundial (BM-poderio financeiro) estamos afundando a nossa educação. Para que se materialize esse “Pacto Pela Educação” que muitos governos têm adotado, as nossas escolas pelo Brasil se tornaram cotidianamente empresas, ou fábricas de diplomados. Então, nessa perversa lógica, vivencia-se diuturnamente a destituição de direitos sociais asseverados pela nossa Constituição Federal em seu artigo sexto. Assim, tem-se que os nossos discentes ao final de uma educação básica e, portanto, elementar, não poderão acessar outros ambientes que exigem uma educação que mune o indivíduo para transitar socialmente de forma cidadã em diversos espaços da cultura dominante. Muitos não conseguirão cursar uma universidade pública e logo, não será oportunizada a superação dos problemas sociais que assolam os nossos jovens. No discurso neoliberal, será valorizada a inserção dos nossos alunos e alunas nas IES privadas que recebem investimentos financeiros do governo federal. Ou seja, os nossos ‘despatriados sociais’ não têm a educação de qualidade porque podem pagar a faculdade com o trabalho ou com financiamentos supostamente acessíveis. Sabe-se que muitos exercem outras profissões pelo dia e estudam à noite. Para quem não tem condições de pagar o curso de graduação, financiam esse curso e ao terminá-lo começa a carreira devendo-o. Educação de qualidade? Não sabemos.
Nesse viés do neoliberalismo, as nossas escolas são transformadas em empresas. Temos o gerente, o supervisor (que controla o professor para governar a sua prática pedagógica) e ainda para somar-se a isso, se institui o mérito de assiduidade através de ‘bonificações’ que se assemelham aos mecanismos behavioristas de comportamento. (Quantos ratinhos não sofreram para serem treinados hein?). Vive-se nas empresas-escolas tempos de competição mercadológica entre alunos e alunas, professores e professoras e porque não, entre a melhor nota do Ideb X contra a escola do Ideb Y, o que pode se configurar em práticas discriminatórias entre as escolas e o alunado. Nesse sentido, com as ditas premiações dadas nesses contextos escolares, temos mecanismos de controle e governo oferecidos pela recompensa que se baseia no reforço, estímulo e resposta. Assim, para esses cumprimentos empresariais de metas de produção, para ser o ‘professor destaque do mês’, tem-se o preenchimento de relatórios, planilhas, fichas, gráficos etc. Faz-se acreditar em números como algo de verdade e os números numa sociedade cartesiana são ‘verdades’ construídas e forjadas sob a égide de interesses de alguns (quem será o favorecido?). Logo, Não existe neutralidade nesses números, estes podem mascarar o que bem seja conveniente.
    Então, como a sociedade pode pensar que a educação está bem se os números não são neutros? Já que podem ser engessados em testes que não traduzem a realidade da educação brasileira. De que maneira pode se exigir uma educação de qualidade se os governantes veem esses profissionais da educação como meros reprodutores de livros didáticos, quando não cartilhas e/ou fórmulas descontextualizadas da realidade de cada comunidade escolar? A capacidade de autonomia desse profissional está totalmente maculada porque para o neoliberalismo, é importante que o mercado regule quem deve permanecer nele e, embora muitos pregam que todos terão acesso de qualidade em cursos superiores, é uma falácia, porque as pesquisas afirmam que  muitos concluintes do Ensino Médio não se apropriam das devidas habilidades exigidas. Afinal, quem é o deus nesse modelo de educação neoliberal? O mercado. Para o Estado é deixada as suas obrigações para se pactuar (pacto é outra palavra de ordem do neoliberalismo) com as instituições financeiras que regulam modelos de ensino a serem aplicados. Ora, se se precisa de pessoas diplomadas para atuar nas ‘fábricas’ como bem quer a classe dominante, não é coerente termos uma educação emancipadora que agencie a cidadania. Com a educação que se delineia na atualidade, têm-se alunos e alunas automatizados e por isso, ensinados a não pensar. Da mesma forma que robôs, apenas repetem e copiam o que é exigido como ‘metas de uma boa educação’ ou como “pacto” como alguns queiram chamar. Parece-nos que o círculo vicioso continua. Basta observarmos que a escola da contemporaneidade configura numa espaço fabril de ‘operários’ e “desfiliados sociais” que são violentados em seus direitos sociais e por isso são excluídos socialmente.
    Afinal, nessa imposição neoliberal de educação é necessário que os nossos discentes saibam lidar cada vez mais com aparatos tecnológicos nas indústrias e ‘fábricas’. Ensinar a pensar torna-se uma prática cada vez mais insossa em nossos ambientes escolares, porque com a rapidez e urgência que se faz a educação-empresa, não se faz importante pensar sobre os processos que permeiam uma sociedade complexa. Assim, muitos de nossos alunos e alunas no Brasil só repetem, memorizam, copiam, esquecem. Exceto aprendem, apropriam, transformam, questionam. São tidos como robôs, não sabem nada além do programado. E quem ganha com isso? Os donos do poder que querem explorar esses ‘diplomados da incompetência’. Essa é a educação que nós professores sonhamos ao cursarmos uma graduação? Tenho certeza que não.
Como educadores não estamos satisfeitos com tudo que tem se delineado na educação pública. A nossa reivindicação não pode ser algo à parte, de classe. A sociedade, sobretudo a civil, tem de perceber que sem a educação de qualidade e sem bons profissionais respeitados com um plano de carreia adequado, sem estrutura nas escolas, não se pode querer outra coisa a não ser a barbárie. Por falar em plano de carreira, outra prática perversa do neoliberalismo é incorporar gratificações ao piso do professor para cumprimento da lei 11.738/2008. Assim, nessa suposta ‘valorização da carreira docente’ fica uma mensagem para todos: de que não vale a pena investir em educação. No discurso proferido por alguns governantes de que a educação é ‘meta’ de qualidade torna-se incoerente e, por isso contraditório pois o profissional bem remunerado e com um plano de carreira adequado permanece na rede pública. O discurso é tão contraditório, por exemplo, em relação ao professor (a) investir em estudos de ‘qualificação’ porque a esse profissional é negado o direito de cursar mestrado e doutorado com a sua licença remunerada de direito em diversas esferas estaduais (criam-se mecanismos para essa formação continuada e impede o acesso a ela negando as licenças de aprimoramento profissional). Percebam que, qualificar é um verbo incorporado pela ordem neoliberal- o sujeito na atualidade, na medida em que incorpora esse discurso, à sua prática profissional, nunca estará devidamente qualificado porque o mercado impõe sempre essa suposta qualificação para justificar as vacâncias de profissionais nos serviços públicos e/ou privados ofertados.
A sociedade, ao achar que pelo fato de pagar as escolas privadas (caras) aos seus filhos e não exigir uma educação pública de qualidade está livre do caos que se instaura na atualidade no Brasil, equivoca-se, porque como ficou muito clara e concisa a reflexão de Fernando Garcez (DM- seção Especial para o Diário da Manhã em 08/10/13), “mesmo que seu filho(a), leitor, não estude na escola pública, isso recai sobre você de duas formas: 1) o dinheiro do imposto é mal aproveitado; 2) induz as escolas particulares a aumentar o valor das mensalidades. Além do impacto financeiro, a questão social requer ser considerada”. Isto é, todos e todas devem exigir dos poderes públicos qualidade na educação e um plano de carreira coerente que permaneça o já efetivo servidor e busque alternativas de atração dos melhores cérebros para as futuras gerações nas escolas públicas, sem deixar de mencionar a importância de se oferecer as devidas estruturas físicas e didático-pedagógicas para esses profissionais atuem.
Igualmente, estamos de luto pela educação. Exigimos nesse dia do professor respeito como profissionais que contribuem em parte para a cidadania e emancipação humana. Pedimos que a sociedade deixe de construir significados vitimizadores acerca de nós. Não somos coitadinhos e nem queremos ser, somos professores e como qualquer profissional de curso superior, queremos salários e condições dignas de permanência na carreira do magistério. Almejamos a valorização devida. Reivindicamos o direito de estudar em formação avançada e ter acesso a uma carreira decente e não indecente. Não somos e nem pretendemos ser missionários que vivem de amor. Podemos amar e cuidar sem sermos pai e mãe de alguém. Não somos e nem queremos ser a extensão do afeto de ninguém. Não vivemos de filantropia em nossa profissão como bem tem ensinado as lógicas neoliberais nos “amigos da escola”. Não somos e nem queremos ser os redentores de uma educação falida, mentirosa e conspurcada pelos números. Os números mentem e não são verdadeiros porque a ‘verdade’ nasce em tempo e lugar histórico e por isso ela é ideológica. Não somos tios, somos profissionais e queremos que deixe de culpabilizar o fracasso escolar mascarado pelos números em função da atuação docente. A culpa não é do professor, a culpa é de quem mente e omite sobre a educação. A culpa é de quem é conivente com a hipocrisia e com o elitismo. A culpa é de quem valoriza a sociedade de classe e impede o acesso ao outro de transformar a sua vida a partir de mecanismos igualitários. A escola e nem os professores são responsáveis pelas mazelas do mundo.  Precisamos pagar as nossas contas, investir em cultura, formação continuada, comprar livros etc. Não vivemos de ‘premiações’. Desejamos viver com o que é de nosso direito, direito esse conquistado pelos estudos que angariamos.  

Portanto, queremos que a profissão docente seja vista como algo de prestígio social. Aspiramos que os nossos discentes ambicionem ser professores, mas, para isso, são necessárias as políticas públicas que atraem os grandes cérebros. Assim sendo, fazemos um apelo à sociedade: exija a educação e a valorização de bons profissionais para os seus filhos. Bons profissionais precisam ter salários atraentes e oportunidade de avançar os seus estudos acadêmicos (sem serem punidos) para permanecer na rede básica de educação. A todos e todas pedimos que não se contentem com uma educação qualquer. Queiram que as próximas gerações possam abrir novas janelas na vida através dos estudos de qualidade porque se não for feito nada por parte dos governantes e de toda a sociedade organizada, muitos terão de se contentar com o que já se evidencia nos quadros das nossas escolas públicas: a desistência do professor altamente preparado. Luto na educação!   
Texto publicado no jornal Diário da Manhã em 15/10/13 Disponível em: <http://www.dm.com.br/jornal/index#!/view?e=20131015&p=24>

terça-feira, 10 de setembro de 2013

“Holocausto Brasileiro”: um tributo às vítimas da razão


             As instituições sociais em diferentes contextos podem regular a vida de muitos a partir do controle de seus corpos, dos seus dizeres, dos seus saberes e dos seus fazeres. As técnicas para esse controle dão-se de forma que às vezes passa despercebido pela maioria da parcela da sociedade porque são simbólicos e/ou escondidos do público. Assim, para pensar esse domínio, questionamos de que forma podemos tornar invisíveis os nossos semelhantes a partir de técnicas que impõe uma (a)normalidade?  Legitimar um lugar social tido como “normal”, não seria excluir o lugar do outro considerado como o não normal?
A loucura é algo que mexe com a ‘razão’ desde há muitos anos. Sob diferentes compreensões e posições de saberes, percebemos que esta foi objeto de misticismo e controle. Para que pudesse existir no discurso do confinamento e da cura foi necessária a interdição de uma doença que, desde muito tempo, foi entendida como maldição e sinônimo de exclusão: a “lepra”.  De acordo com Foucault em “A História da Loucura na Idade Clássica”, ao final da Idade Média, início do século XV, o objeto de confinamento e controle torna-se vazio porque a figura do “leproso” desaparece.  Para o pensador francês, a loucura passa a ser o objeto de fascínio e atração para o homem ocidental a partir do final do século XV. Isto é, a loucura, segundo nos adverte o francês não é somente algo ligado a assombrações e aos mistérios do mundo, mas, alguma coisa com uma estreita relação do homem consigo mesmo, seja através de seus sonhos, ilusões e fraquezas. A “lepra” como algo não atraente, e por isso, ‘maldita’ (pela Igreja), tinha de morrer e deixar de ser policiada (e existir) no discurso para emergir outros fascínios úteis para o confinamento.
Em meados do século XVII a loucura passa a ser ligada com o confinamento, já que antes disso, no século XVI, a loucura era somente objeto de reflexão crítica. Deste modo, a loucura passa a ser compreendida somente em relação à razão, como referência de recusa em que uma fundamenta a outra. Contudo, esse confinamento não se dá pelo discurso de poder médico de cura (que nascerá no século XIX), mas, pelo poder dado pelo semijurídico que, além dos tribunais, julga e executa esse confinamento. Assim, seguindo as rotas foucaultianas, percebemos que o louco antes tido como algo sagrado pela Idade Média passa a ser algo passível de exclusão, uma vez que o Estado substitui a Igreja. A miséria do louco era tida como algo místico pela caridade medieval da Igreja porque este participava dos obscuros poderes da miséria. Podemos inferir que o louco personificado na miséria deixa de ser místico e transforma-se em obstáculo para o ‘progresso’ do Estado. Portanto, a experiência do louco é deixada pela santificação (da Igreja) e passa a ser uma concepção moral condenável.
O internamento no século XVIII começa a estar em crise porque não está ligado ao econômico e social. No final do século XVIII a internação como foi proposta nos séculos XVII não era válida e por isso era posta em questionamento. Para as estruturas econômicas que estavam emergindo (com o nascimento da indústria) esse ‘pobre’ e ‘louco’ tinha de ser jogado à sociedade. Ou seja, como mão de obra barata não podia estar à margem. Logo, para a produção de riquezas esses pobres internados seriam importantes para o progresso das nações. Assim, não seria eficaz a internação da população pobre, porque essa população deveria estar em convívio nos espaços sociais (produzindo lucros).  Nesse sentido, a pobreza deveria ser colocada à disposição da sociedade através da liberação do internamento. O que compreendemos até aqui é que os discursos proferidos por instituições de poder podem regular a vida de quem permanece no público e no privado. Nesse momento do século XVIII os pobres são necessários, por isso estão no espaço público, porque são produtivos. No século XIX, os pobres e os demais desajustados (fora da norma e do esquadro) retornam ao privado porque são úteis para a produção de mão de obra em alguns hospitais psiquiátricos (note-se, por exemplo, que muitos pacientes foram explorados nos canteiros de plantação de hortaliças. O que produziam era vendido para o lado de fora. Algumas instituições psiquiátricas exploravam a força muscular desses internos em lugar da obtenção de lucros).
No Brasil, seguindo as rotas de Sérgio Rachman, em sua pesquisa “A interface entre a psiquiatria e a literatura na obra de Lima Barreto”, entendemos que até a metade do século XIX os doentes mentais eram internados na Santa Casa de Misericórdia. Devido às condições precárias vividas pelos alienados, foi construído o primeiro hospital psiquiátrico, o Hospital Psiquiátrico D. Pedro II, passado após, a chamar Hospital Nacional de Alienados (HNA). Claro, o modelo de internação seguia os moldes da psiquiatria positivista. Do mesmo modo, podemos depreender a partir de “Os anormais”, de Michel Foucault, que o discurso médico psiquiátrico teve grande importância para confinar quem era tido como fora da norma e por isso “anormal”. Isto é, o discurso médico-psiquiátrico tinha (ou tem?) o poder de “vida e de morte” que desqualifica os sujeitos impondo uma vida fora do convívio social. De tal modo, o discurso de verdade proferido a partir de uma ‘verdade’ cientificista, legitimado por instituições e especialistas dá lugar adequado para uns e excluem outros, policiando a vida dos humanos.
Após percorrermos alguns caminhos com Michel Foucault sobre a história da loucura, sugiro uma parada nesse “trem de doido”, em um dos ambientes sufocantes no Brasil do século XX para problematizarmos sobre a violência naturalizada entre algumas instituições em relação ao insano, o louco, o “anormal”. Esse ambiente psiquiátrico chamado de Colônia será o acicate para a nossa reflexão. Talvez por ter sido considerado o lugar do genocídio no Brasil que poucos tiveram notícia, como bem confirma Daniela Arbex em “Holocausto brasileiro-genocídio: 60 mil mortos no maior hospício no Brasil”. Após a leitura desse fantástico livro, percebemos que essa instituição psiquiátrica não difere de outros recintos que veiculam poderes disciplinares e que ainda causam a morte – física, moral, social de inúmeros cidadãos pelo Brasil afora e que são capitais para apagar e violentar as suas vidas e memórias.
O Colônia, segundo Arbex,  era o local que padronizava as pessoas com os seus uniformes azuis e  que era temido pelos internos o “azulão”. Talvez porque eram colocados em situação de guerra os internos que tinham as suas cabeças raspadas como prisioneiros. Essa prática simbólica da raspagem da cabeça e do uso do uniforme “azulão” em nosso entendimento funcionam como dispositivos de invisibilidade social para quem adentra os portões de uma instituição que dita uma igualdade a todos a partir do tom azul do uniforme. A partir dessa ‘igualdade’ todos são os ‘sem nomes’ que se tornaram números, “monstros” excluídos do sistema “normal” e racional. Se a função de um hospital psiquiátrico para o leigo é cuidar, ‘curar’ a loucura e as demais doenças mentais, não foi bem o que ocorreu ao longo da implementação.
Nesses “cemitérios de vivos” (como chamava Lima Barreto os hospitais psiquiátricos) os sofrimentos impingidos aos destituídos sociais (‘doentes mentais’, epiléticos, alcoolistas, homossexuais, prostitutas ou qualquer pessoa incômoda para alguém detentor de poder e prestígio social) eram autorizados pelo sistema que, cada vez mais queria higienizar a sociedade através do confinamento. Aliás, os muros dessas instituições trazem algo de simbólico para pensarmos: não se pode ultrapassar esse espaço. Para atravessá-lo, alguém deve possuir credenciais que sinalizam o ser “normal” em sociedade. Ou seja, o que se percebe a partir disso é que num passado não muito distante as instituições exerceram o poder disciplinar que controlou e apagou aos poucos a vida de pessoas transformando-as em anônimas e objetos do descaso.
Esse descaso nos faz lembrar Lima Barreto ao ser internado no HNA e relatado em seu “Diário Íntimo”. É fato que ao adentrar os portões dessas instituições as pessoas deixariam de ser gente para serem feras, bichos que comem bosta e andam nus (ARBEX, 2013). Do mesmo modo, essas instituições ao longo de suas práticas trabalharam para fabricar corpos que seriam dóceis e disciplinados. E para isso, a medicalização, os eletrochoques, os banhos gelados fariam parte do cotidiano de quem ousasse gritar e protestar contra esse poder. Nesse sentido, como o Estado permitiu a morte diária (banalizada) de pessoas nessas instituições? Como, por exemplo, no Colônia, que tinha uma média de dezesseis mortes por dia e  que esses mortos eram objeto de lucros de pessoas ambiciosas. Ora, como não saber que nesse ambiente de horror havia homens esquálidos e totalmente nus, espalhados aos montes de capim que bebiam água de esgoto para saciar a sede? Então, tudo isso leva-nos a pensar em uma chacina institucional perversa que mata social e moralmente quem não é a regra, o modelo, o “normal” daquilo que a sociedade aceita e legitima como tal.
Se como a morte de tanta gente insurgia um mercado lucrativo que a comercializava corpos e ossos, é possível pensar que muitos obtiveram ganhos a partir dessa prática perversa e desumana. Como bem se evidencia em Arbex, um mercado lucrativo tem de ser autorizado por instituições de poder. E segundo a jornalista, duas dessas instituições foram importantes Universidades Federais que contribuíram para esse ‘comércio da morte’ em que corpos foram comprados (cerca de mil oitocentos e vinte e três), entre os anos de 1969 e 1980. No entanto, com a morte de tantos, o mercado saturou com a abundante morte dos “anormais”, possibilitando outras margens de lucros com a miséria humana através da decomposição de corpos em toneis de ácido porque os ossos tornariam lucrativos.
Se, de acordo com dados levantados no “livro-reportagem”, a estimativa era de que 70% dos atendidos não apresentavam doença mental e que bastava sintoma de tristeza ou uma suposta ameaça à ‘ordem das coisas’ para ser um viajante do “trem de doido”, porque era tão alta a exclusão da família em relação aos seus? Por que a negligência e a dificuldade em aceitar o diferente daquilo que a sociedade e as instituições atestam como aceito? Por acaso essa lógica perversa de higiene ainda não impera nos dias hodiernos? Será que hoje num discurso ressignificado o Estado e outras instituições não permitem distintas formas de institucionalização da miséria como prática desumana? Basta que percebamos quem são aqueles e aquelas que não queremos ver nos espaços públicos na atualidade.
Parece-nos que na contemporaneidade a história se reitera em supostos discursos de cura e inclusão a partir dos novos proscritos que não mais “leprosos” e loucos como nos advogou Foucault, mas, novos “anormais” que merecem ser diagnosticados e tratados. Hoje, por exemplo, sob nova roupagem discursiva queremos ‘tratar’ dos usuários de crack ou “craqueiros” guardando-os, ou melhor, retirando-os do convívio do público para não ‘enfeiar’ a sociedade. Isto é, a sociedade ainda está pautada pelas teorias higienistas e amparada pela ‘pura’ intenção de limpar a ‘sujeira’ colocando debaixo dos tapetes (dos espaços privados) aquilo que não é adequado. A nova ordem seria novos fabricos e assujeitamentos de corpos “anormais” para o Estado? Se no passado não muito remoto, tivemos como “monstros” os epiléticos, as prostitutas, os homossexuais, as esposas insubmissas, as meninas grávidas, hoje os “drogados” têm como destino a internação compulsória? Parece plausível pensar que, sem o diálogo aberto de diferentes instituições, o silêncio dos “anormais” sob a ótica da “normalidade” faz com que as vozes sejam abafadas pelo sistema patologizador que negligenciam direitos e atestam outras vítimas da instituicionalização.
Deste modo, alguns desses sujeitos se constituíram e se constituem rebelando-se contra o sistema frio que o Estado impôs para quem vive fora da norma. Muitos almejaram e almejam existir dentro de suas diversidades, sem serem obrigados a viver no esquadro, na ‘retidão’ que padroniza uns a partir de referência atestada por outros. Ainda hoje, muitos homens, mulheres e crianças deixam de existir como gente, para ser propriedade do Estado, sob o nosso aval (muitos de nós concordamos porque não queremos responsabilidades ou pensar sobre elas). O “Holocausto Brasileiro” se corporifica em ‘terras da razão’ de diversas maneiras. Muitos são mortos diariamente por nossas empáfias em espaços privados que poucos têm acesso. Esses ‘mortos’ são teimosos em reivindicar o espaço público como um lugar de existência que os reconhecem. Assim, o que tenho a reivindicar é um respeitável tributo para os que são categorizados e patologizados pelas normas como aberrações, “anormais”, loucos, estranhos, diferentes. 
Artigo publicado no jornal Diário da Manhã em 06 setembro de 2013
http://www.dm.com.br/jornal/index#!/view?e=20130906&p=20

quarta-feira, 3 de julho de 2013

A suposta “cura gay” e as normas




É possível haver uma “cura gay”? Por acaso não se cogita a cura a partir de algo que está doente? Quais são as credenciais dadas que atestam o poder de cura da sexualidade do ‘outro’? São perguntas que ressoam e inquietam-me diante do Projeto de Lei do presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, o deputado Marco Feliciano (PSC-SP), reflexo de outras tentativas como a do deputado federal João Campos (PSDB-GO) e da psicóloga paranaense Marisa Lobo. Essas tentativas equivocadas e fanáticas acicatam essa escrita, cujo objetivo é contestar e desestabilizar os conceitos de norma(lidade) e de heteronormatividade presentes na sociedade . Para isso, acho relevante nos caminhos desse texto, demonstrar de forma breve, como a igreja e outras instituições são capitais para a legitimação sexual do que é aceito e tido como “normal”, capazes de promover uma subalternização do que é recusado e tido como “anormal”. Para compreendermos como algumas práticas sociais se configuram ao longo do tempo histórico e do espaço através de atitudes discriminatórias, precisamos retroceder a alguns séculos. Para isso, começamos pela construção do “sodomita pecador” (século XVIII) e em seguida para a construção de um homossexual patologizado (século XIX) em convergência com a contemporaneidade.
Antes da figura do sujeito homossexual, temos o sodomita categorizado pela igreja como aquele que carregava o pecado e a mácula na alma porque estava adequado a uma sexualidade antinatural que contrariava a natureza. Esse indivíduo era considerado o transgressor da matriz nuclear da procriação. O “crescei e multiplicai-vos” era subvertido na medida em que não se tinha o sexo como reprodução e perpetuação da espécie. Para a igreja essa prática subversiva foi considerada uma afronta moral que fora satanizada e controlada. Nota-se que o sexo era feito somente para cunho da reprodução e o sodomita tornava-se um transgressor porque ia além da imposição clerical, uma vez que buscava o prazer sexual.  Por isso, esse ‘pecador’ era o que tinha a sexualidade descrita, vigiada, normatizada, regulada, demonizada (pela igreja, e família). Novos dizeres foram criados sobre esse comportamento “estranho” à ordem natural e algumas famílias em desespero deixaram os seus filhos serem ‘tratados’ pela igreja através de orações, penitências e expurgo de demônios.
Nesse interim, avançando os séculos, precisamente XIX, quem passa a governar, higienizar e punir a sexualidade é o Estado e as Ciências Médicas, corporificada, sobretudo, na Psiquiatria e Psicanálise.  De acordo com o francês Michel Foucault em seus estudos sobre a sexualidade, especialmente no primeiro volume da “História da sexualidade” e em “Os Anormais”, o sujeito homossexual é algo inventado no século XIX e que nasce discursivamente através das instituições de poder como a psiquiatria. Para Foucault, a partir da publicação do artigo Archiv für psychiatrie und nervenkrankheiten (Arquivo para doenças nervosas e psiquiatria), de autoria do psiquiatra Carl Wetsphal em 1870, materializa-se um sujeito que passa a ter a sua sexualidade regulada e controlada pelos “juízes” (psiquiatras numa concepção foucaultiana) detentores do poder e saber. Nesse sentido, os “juízes” sentenciavam suas teorias e categorizavam o ‘outro’ como aquele detentor de uma sexualidade doente que necessitava tratamento. Nesse contexto, o discurso médico-legal amparado pela suposta ciência reiterava teorias capazes de atrocidades impensáveis, como por exemplo, extirpar os testículos dos “desviantes”, ou, o uso de eletrochoques nos hospitais psiquiátricos.
Acreditava-se que havia uma ‘falha’ hormonal nos testículos capaz de influenciar na sexualidade, cuja causa favorecia o surgimento do homossexual (por isso, esse termo relacionava ao discurso médico para categorizar o doente da sexualidade desviante). Podemos dizer que era o momento da caça às bruxas, pois quem fosse pego sofreria a dor de ter sido contraventor da ‘masculinidade’ obrigatória. Havia um policiamento do sexo e de tudo aquilo que o lembrava. As famílias tinham a ‘missão’ de controlar, vigiar os seus filhos para detectar possíveis desequilíbrios no comportamento. Se a homossexualidade fosse detectada pelo Estado no núcleo familiar os pais eram condenados. A sentença seria dada de acordo com a gravidade e intensidade desse comportamento que, antes sodomita, regulado pela igreja (comportamento pecaminoso e antinatural), agora “desviante” e “anormal” (gerido pelo discurso médico o comportamento doentio).
As condenações variavam desde o pagamento de multas para o Estado ao confisco dos bens. Cria que a família era também portadora de ‘algum erro’ capaz de mudar a sexualidade do filho. Nesse caso, perdia-se tudo e algumas famílias abastadas ‘sepultavam’ os seus pupilos em clínicas psiquiátricas, numa tentativa higienista, capaz de limpar da sociedade os “anormais”. Isto é, os “monstros humanos criados pelas instituições médicas e jurídicas (O Direito também exerceu o poder para regular qual sexualidade deveria ser aceita e tida como “normal”). Portanto, podemos afirmar que o termo homossexual estava marcado por uma prática sexual totalmente demonizada advindo do século XVIII que se entrelaçava ao discurso sexológico, médico-legal, psiquiátrico e higienista, sendo parte constituinte de um discurso patologizador no século XIX até na atualidade. Diante disso, indago: Quantos “anormais” temos hoje nas clínicas psiquiátricas? Parece que novos “anormais” são (re)construídos pela linguagem como aqueles que não podem ser aceitos (vistos) no espaço público e por isso, devem ficar resguardados (no espaço privado) longe do convívio ‘humano’.
Transitando pela contemporaneidade, percebemos que alguns discursos reverberam na tentativa de construir um sujeito doente, pecaminoso e por isso, deve ser tratado e/ou expurgado. Daniel Borrillo, professor da Universidade de Paris, em seu livro “Homofobia - História e crítica de um preconceito” confirma que a tentativa de cura dos “homossexuais” é algo antigo e que corporifica uma homofobia social e institucional na sociedade marcada pela heterormatividade.  Dessa maneira, nos faz refletir que, ao patologizar uma identidade sexual a partir de uma norma e um modelo, negligencia-se os direitos de outros. Institui uma prática perversa de ajustamento que favorece uma homofobia aceita e por isso torna-se naturalizada. Promover uma suposta “cura gay” a partir de normativas é deixar que o Estado valide a homofobia social e isso é um recrudescimento da violência a partir da condição sexual que fere a Constituição Federal ( CF) e os Direitos Humanos. Deste modo, quando queremos usar da norma, num sentido de esquadro, como nos esclarece George Canguilhem em “O normal e o patológico”, dizemos quem é o aceito, o “normal”. O reconhecido é como se fosse algo que deve ser nem para a esquerda e nem para a direita, mas a justaposição do ajustado e do centro. Tudo que não for ajustado para o ‘correto’ e esquadrado será “anormal”. Assim, ao pensarmos nesse mascaramento perverso e violento que se estabelece através da linguagem, colocamos uns como superiores e outros como subalternizados e por isso, devem ser excluídos.
Ao refletirmos nessa normatização da sexualidade, percebemos que a sociedade é marcada pela “heterossexualidade compulsória” como afirma a pesquisadora Judith Butler. Uma das contribuições da sua teoria é a possibilidade de descontruir a matriz binária de homem versus mulher e a possibilidade de problematizarmos a sexualidade do ponto de vista da construção social e discursiva como algo que construímos aos outros e a nós mesmos através de discursos. O que problematizo aqui não é a questão da heterossexualidade ser compreendida como algo natural, mas a maneira que esta é (re)produzida e reiterada como modelo e  norma na sociedade. Assim, convém pensar em como as decisões políticas, sociais seguem essa matriz como princípio da normalidade? Por que queremos nos apropriar do sexo dos outros?  Para controlá-los, discipliná-los e governá-los? Foucault deixa-nos claro que o sexo não foi algo reprimido como se sugere, mas, que foi dito e produzido sob diferentes maneiras em distintos tempos históricos.
A escola, a família, a igreja, o Estado, ou seja, entendidas como instituições, regulam através de seus ritos de norma a sexualidade alheia. Na medida em que constrói na sociedade o padrão, quem é a referência, recusamos quem não é o modelo, o esquadro. Passamos a reconhecer o ‘outro’ como forasteiros e criamos sujeitos destituídos de direitos que são subalternizados por suas condições sexuais. Ora, querer a “cura” da condição sexual do outro, é partir da premissa que existe uma matriz única dada pela natureza. Instituir uma suposta “cura” e/ou correção é violentar o humano porque é desumano. Como bem se posicionou o Conselho Federal de Psicologia (CFP), essa proposta de “cura gay” é um retrocesso à resolução de nº 001/99 de 22 de março de 1999, uma vez que a resolução considera que a “homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão”. Por falar em perversão, esta é uma herança freudiana que construiu o sujeito homoerótico como o “pervertido”.
Acho importante a problematização da sexualidade como algo cultural, (re)construído a partir de diferentes lugares históricos (sociais)  e institucionais. A sexualidade não é algo que devemos categorizar, compartimentar como se fosse uma massa moldável e limitada, “a sexualidade livre é a morte que ressurge para a vida”. Arrisco a dizer que a tentativa em rotular os outros em lésbicas, heterossexuais, homossexuais, travestis, transexuais (que ainda são vistas como seres patologizados que carecem do aval psiquiátrico para existir socialmente) torna-se inútil, uma vez que estudos sob distintos olhares revelam a plasticidade da sexualidade humana, sendo impossível demarcar a partir da matriz binária homem e mulher, os jeitos de ser homem e ser mulher, tendo em vista que há vários jeitos de se viver a masculinidade e a feminilidade que nascem em diferentes momentos históricos e sociais. Por conseguinte, infelizmente tenho acompanhado em redes sociais uma heteronormatização da sexualidade imposta de forma violenta. Isso reflete de certa forma o desrespeito à diversidade humana, ao convívio entre a diferença e ao reconhecimento da alteridade. Tenho lido também na opinião de alguns psiquiatras, psicanalistas e psicólogos (Silas Malafaia e Marisa Lobo) ecos do século XVIII e XIX que demarcam uma sexualidade “normal” e invisibiliza uma sexualidade tida como “anormal”. Essas práticas são perigosas, porque patologiza, psicanaliza e psicologiza, ferindo o direito da dignidade humana defendido no artigo primeiro da Constituição Federal.
Vivemos tempos em que as dúvidas e as certezas dadas devem ser questionadas. É tempo de desestabilizar o que foi instituído como verdade, porque quem acredita detentor dela limita e excluem as outras possibilidades. O tempo da contemporaneidade nos possibilita descontruir o tradicional e questionar as instituições dadas como naturais. Precisamos propor novas formas de pensar a sociedade que vivemos, pois novos arranjos sociais se materializam e disso não podemos nos furtar. Afinal, o conceito de família nuclear já não responde o mosaico que nos imbricamos nesses tempos atuais.

Portanto, tenho certeza que existem coisas mais importantes em vez de supostamente incitar a “cura” das práticas afetivo-sexuais do cidadão. Temos os hospitais que estão cada vez mais sucateados que promovem diariamente aos pacientes uma morte social. Temos docentes, alunos e alunas reféns de uma educação caótica somada a inúmeros problemas sociais a serem vencidos. Pensemos um pouco e notaremos que o salário dos deputados e de toda engrenagem social é custeada através do pagamento de impostos. Quem paga são os cidadãos homens e mulheres, lésbicas, gays, travestis, transexuais e heterossexuais. Assim, ao proporem a “cura gay”, sugiro a cura da hipocrisia, da arrogância, da estupidez, da corrupção, da falta de respeito ao outro, da falta de urbanidade que permeiam as nossas instituições e relações, porque assim como Foucault, eu me recuso a aceitar que um indivíduo possa ser identificado com e através de sua sexualidade para ser normatizado.


Texto publicado no jornal Diário da Manhã no dia 02/07/13
http://www.dm.com.br/jornal/#!/view?e=20130702&p=24

terça-feira, 11 de junho de 2013




Diante da reportagem do Bom dia Brasil (10/06/13 http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2013/06/alexandre-garcia-professores-tem-motivos-para-se-afastar-da-escola.html) a respeito das licenças médicas de professores, penso que, tão logo, quero ser o próximo a não ser afastado de licença, mas, sair do serviço público da educação básica. Dificilmente um excelente professor, dessa nova geração, vai se assujeitar à barbárie e ao salário de alguns reais e às violências que são instituídas de diferentes matizes nessa instituição secular. Sou pessimista quando à tela que está sendo expressa na educação brasileira. Vejo como nas artes Expressionistas rostos deformados de professores, de alunos e alunas, do corpo administrativo que cada vez mais se transformam em 'Empresa Empreendedora’. Professores (alguns) não querem deixar o pedestal de, ora vítimas, ora vilões que a sociedade tem construídos através de diferentes discursos que se entrecruzam no tempo e na história. Vejo o caos e a barbárie como marcas presentes em nossa contemporaneidade líquida. Professores não se sentem como referência social (porque nem os ditos "piores alunos" anseiam essa profissão). Alunos e alunas sonham em cursar profissões que a elite tem como meta, mas, que nem se quer possuem letramentos múltiplos para enveredar por caminhos acadêmicos. Não leem o mundo que os cercam e não transformam , só repetem, memorizam como a escola ensinou há muito. Pesquisas? Nem pensar... E nós, professores, continuamos a diplomar a incompetência assim como fizeram com alguns de nós (professores) em diferentes programas de formação de professores no Brasil afora, dando-nos um diploma que certifica para alguns, uma profissão somente que executa o que é imposto. Basta vermos os Cadernos Educacionais que usam como fonte de consulta a Wikipédia em seus textos, total descaso e calamidade. E os professores, que oram reclamam do sistema, não se unem para ir ao Ministério Público saber o porquê de tais livros chegarem somente para os professores e professoras. E os alunos e alunas não acessarem esses 'compêndios da mediocridade' e ainda aceitar tudo como robôs que obedecem. É tão complexo pensar a educação porque muito de nós, por pagar as escolas dos nossos filhos, pensamos que estamos isentos do fracasso do proletariado. Claro que não. Pagamos as escolas no intuito do chamado discurso de vencedores que somos obrigados a internalizar, na esperança de acessarmos a elite brasileira. No entanto, queremos lugares melhores e , como profissionais (alguns), reiteramos discursos elitistas que segregam, excluem, avaliam e categorizam os 'outros'. Ouço categorizações diárias que combato, observo uma escola segregacionista e excludente porque vejo professores e alunos excludentes. Não queremos refletir tanto, porque a reflexão nos causa dor e nos faz sair da zona de conforto e assim, deixamos que o "sempre assim" se materialize dando uma significância de natural nas relações sociais. Desculpem o desabafo, ainda estou de luto pela educação e não digeri a perda que estamos sofrendo juntamente à  violência  imposta a nós professores e professoras, alunos e  alunas...