Lembro-me do ano de 1997, quando passava
na porta da Uniana, futura Universidade Estadual de Goiás (1999) e sonhava em
fazer parte daquele espaço acadêmico. Entrei naquele ambiente e visualizava as
pessoas sempre correndo com os seus livros e saberes. Ainda que houvesse parado
de estudar regularmente em rede básica de educação, sempre tive muita
curiosidade em aprender e, instruir-se para mim se perfazia em todos os
sentidos, seja com a escuta do outro, a observância do mundo etc. Lia uma média
de 100 livros ao ano porque sempre fui muito fascinado pelo universo paralelo
que os livros proporcionam, embora leitor tardio, pois o primeiro livro lido foi
aos treze anos de idade. Ao terminar o ensino médio em 2004 no Colégio Estadual
José Ludovico de Almeida, cuja escola atualmente sou professor efetivo estadual
e após descanso de dois anos, resolvi cursar Letras, conquanto quisesse Letras/Francês,
segui Letras/Inglês, deixando a Psicologia (curso que me fascina e sempre foi o
meu sonho) em segundo plano. No ano de 2007 adentrara os portões da
Universidade Estadual de Goiás para dar início ao curso acadêmico na cidade de
Inhumas-GO, local que saíra com a família aos quatro anos de idade rumo à
Anápolis-GO. Estava inseguro e encantando ao mesmo tempo com tudo que divisava.
Conheci pessoas maravilhosas, dentre elas, Pedro, Leandro, Celina, Aline,
Sergio, Henrique. Com essas joias foram momentos de intensos risos e discussões
profícuas na praça defronte àquela instituição. O cheiro bucólico da cidade, o
café feito no coador de pano da dona Maria, o alho (que adoro) em neblina
matinal e o cheiro de pasto molhado quando chovia, até hoje inebriam os meus
sentidos. Confeccionei naquele ano inicial de curso o meu primeiro texto
acadêmico para o professor Me. Wilmar Faria sobre o filme “Os deuses devem
estar loucos”. Ao entregar a resenha ele disse-me algo que marcara para sempre
o meu pensamento –A sua escrita denota
que você tem muito potencial para fazer um mestrado. Sorri sentindo-me
importante, pois havia chegado na 41ª vaga do curso, era aluno de segunda
chamada no vestibular e isto era um rótulo social. Não dei muita importância
após o êxtase de sua fala e segui adiante. Um dia, foram comigo até a UFG
participar de evento na Faculdade de Ciências Sociais, os meus queridos amigos
Léo e Pedro. Ao ver a magnitude da UFG fiquei extasiado e pensei: quero um dia
estudar aqui. O tempo passou, transferi em 2008 para a cidade de Anápolis e
conheci a professora Dra. Keila Matida com quem tive o presente de conviver
alguns meses. Um dia, a docente em conversa deliciosa, como tantas outras nos
corredores da universidade, disse-me que seria ainda uma pessoa de sucesso e
que via um caminho de muita coisa boa trilhado por mim. Neste ínterim, queria
desistir do curso porque pensava não haver afinidade com o curso de Letras e a
professora Dra. Glaucia Vieira falou –Ah, não vá desistir do curso Clodoaldo,
porque você já é um professor. Aquelas palavras ecoaram abruptamente de tal
maneira, que não consegui responder nada. Também tive a honra de conhecer a
professora Dra. Ivonete Bueno que mostrou novo sentido para a área de Letras,
com as suas lentes discursivas foucaultianas atentas e transgressivas, percebi
que poderia ser “um mais” na vida –ela adorava citar Foucault. No dia da minha
defesa do TCC, antes de adentrar a sala a pesquisadora continuou –Será um
sucesso, não se preocupe, você compreende do que fala porque estudou. Realmente
ela sabia das coisas. Dentre tantas outras conversas, duas ficaram marcadas no
discurso da querida professora e agora amiga, quando disse-me –Clodoaldo ao
trafegar em Paris só vejo você sentado naqueles bancos, andando naquelas ruas e
contemplando a paisagem. Você vai muito longe, não te vejo aqui por muito tempo,
ouça o que digo. Diante do que foi dito eu somente sorria e os olhos brilhavam
como sempre pelo amor inexplicável por aquele país e aquela cidade. Lembro-me
de outro dia, ao despedir-se de mim momentos antes de embarcar/mudar-se para a
Irlanda, em Galway, Ivonete disse em uma sala na UEG –Você não deixe de
estudar, fazer o seu mestrado e depois o doutorado, porque não haverá lugar que
satisfaça a sua curiosidade em aprender. Não tenha medo porque ninguém será
páreo com você, te conheço e sei do que falo. Você é um ser que nasceu para trazer
brilho por onde passa e é isso que faz de você único. Emocionei-me muito com
aquelas palavras traduzidas em despedida. No ano de 2012, após passar por um
acirrado processo seletivo na UEG para a primeira turma de Mestrado em
Educação, Linguagem e Tecnologias, uma pessoa muito querida aceitou pesquisar
nas fronteiras proibidas comigo, era o professor Dr. Ary. Aprendi tanto com ele
nas trocas acadêmicas. O seu apoio e a maneira que me construía
identitariamente, dava-me a certeza que poderia seguir adiante. Concluí o curso
com muito êxito no ano de 2014, precisamente no dia 07 de março e sempre, em
todos os momentos, a mão amiga do meu querido Rogerio amparava as minhas
dúvidas e inseguranças em relação a tantas coisas da existência. Com ele
percebi também o que é generosidade. Como a sua história de vida é parecida com
a minha. Percebo que precisamos recusar muito o que somos para chegarmos onde
estamos. Entendi que crescer é uma força imperiosa que às vezes dói, dói porque
muitas pessoas podem também nos machucar, perseguir porque não acolhemos o dado
como natural nas nossas relações; questionamos tudo, queremos aprender. Poucos
compreendem sem o julgamento o que é não aceitar o que temos para buscar o que
queremos. Tive apoio de muitas pessoas que materializo aqui a gratidão neste
breve relato, alguns de minha família, poucos amigos e o meu querido tio Virgílio.
Sendo assim, para encerrar, quero comunicar muito feliz, que após concluir o
meu mestrado, pude ser aprovado em primeiro 6º lugar em mais um concurso
público, desta vez para docente de ensino superior na UEG e hoje, dia 25 de
novembro de 2014, sou presentado em lugar após três fases concorridíssimas,
para o curso de DOUTORADO em Linguística
na Universidade Federal de Goiás!!!!! Tenho muita gratidão e alegria a
quem me estendeu a mão amiga neste caminho cheio de pedras. Digo ainda que
quantas tiverem, as retirarei todas, mesmo que as minhas mãos precisem sangrar.
Helen, amiga querida, obrigado por tudo,
você é um dos presentes que a UEG me deu no curso!!!!
quarta-feira, 3 de dezembro de 2014
segunda-feira, 3 de novembro de 2014
ODE AO CU
Prazer, o meu nome é cu.
Não sei quando passei a
existir.
No começo, o verbo imperou: faça-se
a luz e o buraco se abriu.
Portas de distintos mundos...
Das floras, dos restos, dos septos.
Sou aquele que todo mundo inclui,
mas teme.
Sou o fétido, o indesejado, o
maculado.
Sou o cu democrático, orifício
de todo ser também.
Cu do corpo, cu do mundo, cu
dos trópicos.
Cus.
Cu anapolino, cu goiano, cu brasileiro.
Cu americano, cu japonês, cu
europeu.
Cu humano, cu bichano...
Cu fulano, cu sicrano, cu
beltrano.
Sou o cu gracinha, cu feinho e
cu lindinho.
Sou o cu que dá, o cu que
vende, o que empresta.
Tem cu, tem cu , tem cu.
Tem cu, tem cu , tem cu.
Sou ou estou cu?
Orifício policiado, buraco
cuspido, olho preterido.
Clô Fernandes
sábado, 25 de outubro de 2014
Os
nãos da existência
A
vida é um senão.
O
não sempre quis corporificar-se em minha vida.
Negativas
quando nasci, por isso pranteei.
As
entranhas da Terra não se abriram para mim.
Desde
tenra idade insistia brigar com os nãos.
Não
silêncios. Não palavras. Não pessoas. Não vidas.
Como
existem não indivíduos no meu mundo.
Os
não nomes não rompem com a vida.
Preferem
a morte: sim.
Nego
a palavra não.
Não
porque sou negativo, mas porque sou afirmativo.
Agora só vivo na vida com os sins das palavras: performatizo .
Agora só vivo na vida com os sins das palavras: performatizo .
Palavras-vivas.
Vozes-algozes. Vocábulos-atrozes.
A
vida é um monturo de nãos e um grão de sins.
Desfaço
os sambaquis da minha existência usando as pás assertivas.
Clô Fernandes
sexta-feira, 24 de outubro de 2014
Comer pessoas
Quando nasci senti fome, não chorei.
O meu estômago clamava por comer.
Era muito novo para degustar.
Os meus gostos eram insossos.
Aprendia a decifrar os meus sentidos aos poucos.
Hoje como e degusto.
Devoro vidas-narrativas.
Abocanho experiências-pessoas.
Engulo memórias-existências.
As pessoas com que coexisto dão-me sabor ao engoli-las.
Com quem convivo, vivo.
Com quem coexisto, sinto.
O meu estômago está curado porque comi pessoas.
As ditas cujas são bálsamo para a acidez da vida.
Clô Fernandes
Ao(à) mestre(a) com carinho
Dia 15 de
outubro é o dia em que se comemora o valor do/a professor/a. É o tempo em que
maiores felicitações acontecem pelos veículos midiáticos, no entanto, é um
acontecimento que pode promover denúncias que maltratam o cotidiano deste/a
profissional em sua existência. Mais que parabenizá-lo/a, quero com este artigo,
demonstrar que as nossas vozes se juntam em um mesmo coro: reivindicar uma
dignidade social. Assim, esperamos com essas linhas, propor duas coisas:
felicitar o/a docente pelo sua profissão e refletir sobre a condição
profissional no contexto atual.
Sabe-se que o
dia instituído para a comemoração do/a professor/a deu-se no século XIX,
basicamente em 1827, quando Dom Pedro I baixa o decreto imperial que cria a
Escola Elementar no Brasil, doravante, “Escola de Primeiras Letras”. Nesta proposta a discussão pautava a partir
de vários direitos, dentre eles, a remuneração do/a professor/a e a
descentralização da educação brasileira, a contratação de docentes e os
currículos educacionais. Contudo, o lugar supostamente reconhecido do/a
educador/a materializaria na agenda social após quase 120 anos, no ano de 1947.
O motivo para
que esta data de meados do século XX acontecesse, foi que a jornada de trabalho
era extenuante e as férias por volta de dez dias, tornaria inviável o descanso
efetivo. Sendo assim, quatro educadores na cidade de São Paulo, resolveram
paralisar neste dia como um ato político a fim de evitar a fadiga. Com o passar
dos anos a comemoração dar-se-ia todos os anos no mês de outubro sendo
oficializada a data pelo Decreto Federal 52.682, de 14 de outubro de 1963. O
artigo terceiro deste decreto chama-nos a atenção, pois propõe a comemoração
condignamente deste profissional e sugere que os estabelecimentos de ensino promovam
atos solenes que enalteça a figura do mestre na sociedade, trazendo à
participação os/as alunos/a e as famílias.
Fizemos essa
rápida digressão histórica para provocarmos o leitor mais atento, porque queremos
pensar neste profissional na atualidade e na sua imagem social no que tange à sua
valorização. Assim, vem-me à mente algumas dúvidas, nas quais penso, de que
maneira comemorar este dia 15 de outubro sabendo que no Brasil afora há colegas
de profissão que são maltratados pelo sistema que recebem tão mal os salários e
que por isso, precisam trabalhar de maneira extenuante em até três períodos
para garantir a subsistência mínima para a família. Em relação ao salário, não
se pode comemorar nem aqui em Goiás nem em outro lugar do Brasil (exceção no
DF?), tendo em vista que o profissional da educação de nível superior ganhar
40% a menos que qualquer outro profissional de mesma escolaridade. Há ainda
gestores públicos que ousam pagar por hora-aula em editais de concursos
públicos o valor de R$ 8,74. Há ainda governos que ousam oferecer por 20 horas
de trabalho, um salário de R$ 950,53. Não,
definitivamente, não se pode comemorar o dia do/a professor/a como sugere o terceiro
artigo arrolado no início, com um/a profissional da educação ganhando em média
este salário.
Lanço o desafio a toda a sociedade goiana para perguntar ao/à professor/a
sobre o seu contentamento salarial. Talvez eu seja pessimista ou esteja
reverberando o senso comum neste texto, mas não encontraremos um/a docente
contente com a forma que é tratado pelos gestores públicos, que, de maneira
violenta, retiram os direitos até então adquiridos, como a titularidade por
exemplo. A titularidade é uma das tantas outras gratificações retiradas pelos estados
nos contracheques, é somente a ponta de um iceberg.
Para o caro/ao leitor ter uma ideia da valorização da docência, o cálculo é
muito simples, qualquer pessoa escolarizada sabe fechar as contas. Por exemplo,
sem a gratificação de titularidade do/a educador/a goiano, este perde mensalmente
uma média de R$ 771,02 (nível P-III) e R$ 869,10 (nível P-IV), respectivamente,
anualmente temos de prejuízo R$ 9.252,24 e R$ 10.429, 20.
Contudo, ao estarmos inseridos no neoliberalismo, bem sabemos que se criam
mecanismos que assujeitam e disciplinam as pessoas sem que estas percebam o
domínio dos seus corpos; o “Reconhecer” é uma mostra fidelíssima disto, ou
seja, não há câmeras que controlam o trabalho do outro-não temos o “olho que
tudo vê” nas fábricas, mas no dizer de Jeremy Bentham, somos controlados sem os
muros e as cercas porque controlados foram os nossos corpos. Há uma falsa
sensação de reconhecimento e liberdade quando os comportamentos são estimulados
a darem respostas. Em relação à titularidade, embora pareça que muitos
professores aceitaram este corte, não é bem assim não. Não foi e não será uma
gratificação de “Reconhecer” que irá desmerecer este profissional que está
diuturnamente na escola exercendo o seu papel social, mesmo que haja tantos
problemas físicos nos prédios tais como: rachaduras, mofos, quadros
deteriorados e alunos/as desestimulados, afora condições insalubres no seu
cotidiano.
Em relação ainda sobre o salário do/a professor/a, de acordo com a reportagem
publicada no dia 10 de setembro de 2014 na revista Veja (<http://veja.abril.com.br/blog/impavido-colosso/salario-dos-professores-brasileiros-esta-entre-os-piores-do-mundo/>),
o Brasil é o país que paga pior este profissional, ficando atrás somente da
Indonésia. Ao comparar a tabela salarial com países da América Latina, como o
Chile e México é vergonhosa a situação. Diante deste quadro, pergunto, como os
nossos governantes querem que a educação haja uma alavancada se um dos
protagonistas do processo não é remunerado adequadamente? Como um/a docente
público, por exemplo, que busca formação continuada em cursos de mestrado e
doutorado continuará na rede básica se mesmo antes de estudar, a sua licença
poderá ser negada? Não é direito do servidor público se ausentar do trabalho de
forma remunerada para avançar na sua formação de acordo com o artigo 116 da lei
nº 13.909 de 25 de setembro de 2001? Diante deste contexto, evidentemente que
os jovens não almejarão uma profissão pela qual não serão reconhecidos
socialmente por ela. Há inúmeras dissertações de mestrado e teses de doutorados
que comprovam isso.
Pensar o dia do/a professor/a significa convocar a sociedade no sentido
de perceber que a educação pública de qualidade é dever de todos. Como sempre
reitero em meus textos, não basta que poucos possam pagar uma escola e que os
outros não tenham o mínimo direito assegurado. Frequentar as salas de aulas não
significa direito garantido; muitos concluem o processo escolar porque o
sistema de aprovação compulsória institui isso de maneira simbólica. Em um dado
momento essa dívida será cobrada e todos, mesmos os que acham protegidos pelos
muros dos condomínios fechados, terão de olhar para o lado e compreender que
somos seres sociais e que a violência pode refletir no coletivo quando não se
tem acesso à educação.
Ao trazer nesta escrita a reflexão sobre o dia 15 de outubro,
desestabilizo também os discursos de vitimizações acerca do/a professor/a. Este
não é vítima, só não é bem-remunerado como muitos pensam, só não tem o espaço
de atuação profissional adequado como muitos imaginam, não possui autonomia em
sua prática. Pelo que ouço dos/as colegas, muitos querem sim estudar, comprar
livros, aprender novas práticas pedagógicas, mas o sistema burocrático a que a
nossa educação tornou-se engessa a sua autonomia como sujeito e o/a faz
trabalhar até quase três períodos. São tantos papéis, formulários e números de
metas, que as nossas escolas tornaram-se empresas e o docente um colaborador
que executa o que é chegado de cima para baixo, mesmo que para isso, fabrique
robôs para a era pós-moderna e industrializada, máquinas não pensam, só
reproduzem o que foi ensinado mecanicamente. Isto não é educação, chama-se deseducação
do ser humano e suas potencialidades, pois cada vez mais percebe-se que os
nossos discentes terminam o ensino médio sem condições mínimas de letramentos.
Muitos não estão em condições de adentrar os portões das universidades e do
mercado de trabalho porque não sabem ler e escrever diante de diversas práticas
sociais, ao contrário, só repetem o que muitas cartilhas educacionais
descontextualizadas ensinaram. Digo e repito, tudo que se veicula pelo Brasil
em relação a educação de qualidade não condiz com a realidade. É preciso que
questionemos de qual qualidade falamos, de qual lugar essas pessoas são/estão
sendo escolarizadas. Como bem sabemos, os números não são neutros e estes
servem a uma dada lógica cartesiana e estatística .
A educação de carne, osso, memórias, histórias em salas de aula, esta
não melhorou como aponta muitos de nossos governantes. Estes não estão em sala
de aula, não entendem de educação porque não são educadores, são
administradores, economistas, filhos de médicos, engenheiros, ou filhos de
alguns políticos. Muitos de nossos elegidos fazem parte de um jogo elitista de
poder que só legitima a exclusão social a partir de uma educação homeopática: dê
aquilo de acordo com a necessidade, nem mais e nem menos, só o necessário para
que haja uma sensação de melhora na ferida social. Muitos de nossos gestores
não sabem falar de educação porque não estão em salas de aula cheias sem o
mínimo de conforto. Alguns de nossos ilibados políticos não sabem o que seja
educação porque não buscaram os seus filhos nos portões das escolas que gerem,
já que os seus pupilos nem sabem o que seja escola para as massas.
Muitos de nossos governantes não sabem falar de educação porque não saem
em desfiles de sete de setembro em sol quente numa manhã de domingo, aliás, diga-se
de passagem, professores/as desfilaram na data da independência do Brasil na
cidade de Anápolis e não obtiveram o descanso em dobro pelo ato cívico. Por que
será que são obrigados a levantarem de suas casas em dia de descanso (domingo)
e não podem ter a folga sem prejuízo de bonificação? Por acaso o mesmo bônus
que é dado é também motivo de chibata e controle do seu lazer? Não, não e não, definitivamente não é o dia
do professor que anseio. Almejo o dia em que professores sejam respeitados nos
direitos mínimos: afetivos, salariais, pedagógicos e sociais.
Interrompo aqui este
texto, na certeza de que ano que vem, no mesmo dia, possamos comemorar os
direitos arrolados aqui e que perfazem 187 anos. Sonho em um dia ouvir do/a meu/minha aluno/a,
seja na universidade ou na rede básica, que este/a tem uma vontade em ser
diferente, em pensar diferente, promover coisas novas na sociedade. Desejo que
este/a mesmo/a aluno/a seja acicatado/a a seguir adiante com consciência
política do mundo que o/a cerca e que mesmo fazendo parte do suposto alto cargo
profissional, não se esqueça do lugar de outrora: a rede básica de educação.
Anseio que o/a meu/minha aluno/a queira ser aquele/a que (trans)forma o outro
pelo olhar, pelo verbo-ação, escrevendo novas linhas e parágrafos nas vidas das
pessoas, a partir de um lugar social reconhecido: o de ser professor/a.
Texto publicado no jornal Diário da Manhã em 15.out.2014. Disponível em: <http://www.dm.com.br/jornal/#!/view?e=20141015&p=23
As eleições de 2014 e alguns paradoxos
Neste último domingo,
dia em que os eleitores foram às urnas para obrigatoriamente decidir o rumo da
política brasileira, pude ouvir vários discursos que fizeram-me conjeturar
sobre o que é cidadania e o exercício do voto, cujo ato refletirá durante
quatro anos em nossas vidas, compreendi
que o exemplo de uma figura pública pode ser dado pelas mínimas coisas.
Algo chamou-me a
atenção pela manhã, não sendo diferente de quase todas as eleições anteriores,
a prática de jogar os panfletos eleitorais, mais comumente chamados de
“santinhos”. Para mim não há nada de ‘santo’ nesta legitimidade política que
polui visual e ambientalmente as nossas cidades, ao contrário, chega a ser
afrontosa a imposição dos candidatos em descer goela abaixo as suas imagens sorridentes
diante do eleitorado.
Quando penso nestes “santinhos”,
compreendo também que as imagens destes candidatos é uma falta de respeito com
o cidadão de bem que ao ser obrigado a levantar-se no domingo em seu único dia
de descanso, também é compelido a transitar por um espaço coletivo sujo e antiestético
que é a rua nos dias das eleições e mais, um ambiente que torna-se perigoso
devido as possibilidades de acidentes, tais como, fraturas, traumatismo
craniano, quedas etc., proporcionadas pelo papel escorregadio . As praças e alamedas,
locais de sociabilidade e lazer, tornam-se um amontoado de panfletos de
candidatos que ao concordarem com este crime eleitoral, realmente não merecem
voto algum do povo brasileiro.
Infelizmente, parece
que poucos conseguem associar as imagens poluentes nas ruas com as práticas de
gestão e governo destes candidatos na agenda política no Brasil. Será que há
neutralidade nestes candidatos na decisão do rumo social de um povo quando
permitem um crime dessa magnitude? Não concebo que uma coisa se dissocia de
outra, pelo menos no que tange à anuência destes senhores/as do poder político
e a forma arbitrária de mudar a opinião do voto do eleitor antes de adentrar a
cabine de votação. O eleitor já não está tão alienado do seu lugar na sociedade
a ponto de mudar de ideia porque viu lixo na rua. Além de vetusta essa prática
dos “santinhos” é um crime que deveria ser punido com rigor, embora o presidente
do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), desembargador Walter Carlos Lemes,
prometeu punições severas em jornal televisivo da capital na última
segunda-feira. O que subentende a partir da entrevista é que será a primeira
penalidade em sua gestão, já que candidatos serão responsabilizados.
Quando penso que muitos
profissionais da limpeza urbana de Goiânia e de nossas cidades, são os
responsáveis para trazer de volta a ordem cotidiana das ruas limpas e que no
mínimo, terão de retirar só na capital mais de 140 toneladas de lixo, entendo
que as prefeituras devem reconhecer o papel importante deste profissional em
nosso país com salários dignos e condições de trabalho humanamente aceitáveis.
Imaginemos a quantidade de lixo retirada neste primeiro turno em todo o estado
e cidades brasileiras. Desta maneira, da mesma forma que o serviço voluntariado
recebe dois dias pelo trabalho nas eleições, seria plausível que estes
profissionais obtivessem uma escala de folga em dobro pelo serviço prestado
(não creio ser obrigação de o gari limpar a sujeira do candidato-figura pública
irresponsável). Bem se sabe que uma prática cultural não se muda em quatro
anos. Haverá candidatos porcalhões nas próximas eleições que aceitarão os
“santinhos” nas ruas (espero não no segundo turno aqui em Goiás).
Sugiro a alguns
candidatos bem intencionados, cujos valores gastos em campanhas são mais de 30
milhões de reais, segundo prestação de contas nesta eleição, que deem uma
contrapartida social limpando as ruas conspurcadas. Recomendo ainda, que os
mesmos candidatos eleitos, tenham a coragem de vir à mídia pedir desculpas ao
eleitorado diante destas ações imundas de nossas cidades, ações estas
autorizadas pelos partidos e afins e que estes mesmos eleitos prometam não
causar danos ambientais dessa natureza (os bueiros, rios e córregos também agradecem),
sob pena de entrar para uma ‘ficha imunda’. O ato de vir à mídia televisiva (mais
acessiva do grande público) poderia ser um começo de cidadania e urbanidade, um
exemplo ao restante da sociedade. Afinal, muitos dos nossos políticos dizem que
representam o povo, e a lei do “sujou, limpou”, deve ser aplicada também aos
moradores do parnaso político. Como cidadão, observarei as medidas tomadas pelo
órgão superior eleitoral em relação à imundície, pois tenho o direito de exigir
punição civil.
Outro paradoxo
encontrado no turno eleitoral foram as relações com o serviço voluntário de
mesários e a espera exacerbada de eleitores obrigados a votar. Neste primeiro
turno fiquei indignado com a maneira com que os mesários trabalharam com um
sistema biométrico ineficiente, cuja autorização do presidente, para que o
eleitor votasse só se daria após oito tentativas. Como presidente de seção,
juntamente com os meus colegas, tivemos de ouvir, com razão, as indignações dos
eleitores diante de filas quilométricas que esperavam por mais/quase (de) duas
horas.
Além disso, muitos
mesários voluntários foram obrigados a trabalhar em seções ajuntadas com quase
400 eleitores. Um exemplo concreto disso foi a minha, situada na Paróquia São
Sebastião em Anápolis-GO, seção 178-179. Diante de tantos paradoxos, aumenta o
tempo médio na fila, o eleitor desiste de fazer algo que já não acredita tanto:
votar. Somado a toda essa epopeia,
juntam-se as seções, o voluntário ganha R$ 25,00 para almoço e trabalha de
forma exaurida para cumprir um suposto ato de cidadania. Parece-me que a
mecanização da mão de obra (pós)industrial chegou para os mesários. Paga-se R$
25,00 para quatro mesários o que teria de ser pago para outros quatros se não
fossem unidas as seções. No final da matemática a conta é simples: R$ 100,00 de
economia e o ato cívico cumprido –agradeça por fazer parte da família cívica
brasileira. Mas e a qualidade nos serviços públicos prestados, fica em segundo
plano?
Reflitamos, o voto é
obrigatório e ainda assim o cidadão é compelido a ficar em filas sem cadeiras
confortáveis, disponibilizadas somente para eleitores preferenciais? Os
mesários com eleitores acumulados de outras seções não podem ter o mínimo direito
de se organizarem para um almoço com qualidade? Como organizar horários para
refeições, se antes do almoço, eleitores lançam injúrias devida a falta de
paciência por esperarem 1h e 40 minutos também sem almoço? Cadê a cidadania de
ambas as partes tão propalada nos veículos midiáticos durante o processo
eleitoral?
Assim, encerro este
artigo convidando o leitor e os demais candidatos, a pensarem sobre o que é
cidadania, urbanidade, hombridade, direitos básicos. Deixo materializada nesta
breve escrita, a vergonha que tenho em saber que muitos candidatos dos quais
estarão/estão no poder, são os mesmos que endossaram/endossam as sujeiras de
nossas ruas com os seus “santinhos”, são/serão também os mesmos que
assujeitarão a parte mais vulnerável de uma sociedade: o povo. Digo mais, estes
candidatos não me representam, porque como docente, incito a reflexão em meus
discentes e provoco-os no sentido de (trans)formar a realidade que os cercam.
Espero que neste segundo turno, o exemplo seja dado pelos nossos digníssimos
candidatos ao governo estadual, pois definitivamente, se os virmos nas ruas em
“santinhos”, na manhã do dia 26 de outubro, emporcalhando as nossas vistas, com
certeza é preciso (re)pensarmos as nossas escolhas no ato de votar, porque de
paradoxos políticos a nossa sociedade
está cheia.
Texto publicado no jornal Diário da Manhã no dia 06 out. 2014. Disponível em: <http://www.dm.com.br/jornal/#!/view?e=20141007&p=21
segunda-feira, 8 de setembro de 2014
Memórias em vigília
É noite, o caos se aproxima de mãos dadas com
a insônia.
Vazios existenciais engatinham nas paredes.
Emoções volitam no ar.
Espectros vigiam o corpo.
O corpo vigia os espectros.
Memórias não dormem.
Entorpecem o pensar no passado.
Viver é a tormenta da atualidade.
Existir só se for à dualidade.
Dramática vida
Minha vida é marcada pelas letras.
Palavras, vírgulas, reticências.
Subordinadas minha existência ficou.
Assindéticas não ligam-me a ninguém.
Coordenadas o meu eu se deixou.
Substantivas as minhas lembranças se
perderam.
Adjetivas os meus amores são dissabores.
Orações e frases existenciais.
Períodos simples e compostos pelo
viver-morrer.
Etecetera e outras coisas mais.
São outros homens e outras mulheres.
Ponto final para a vida breve.
Sem circunflexos que não quero marcá-los.
Espectrus
Acordei, estou n’outro mundo.
Orbe de solidão, tristeza e imundície.
Olho pro lado, não vejo ninguém.
Visualizo coisas.
Sem nome, sem vida, sem histórias.
Sem rostos, sem corpos, sem olhos.
Estou sozinho, pensei.
Chega outra persona.
Gargalhando excentricamente.
Dos seus olhos saem vômitos.
Da sua boca escoam lágrimas.
Do seu nariz inebria o fétido cheiro do amor.
Da sua pele o odor da morte e da paixão.
Copulo com essa estranha sensação.
Mito de desejo e negação.
Respiro o seu hálito pútrido.
É do ar que vivo sem rumo.
Memórias mortas
Ouço vozes do passado que me chamam.
Cobram-me atenção por algo que deixei lá
atrás.
Ignoro-as e sinto que às vezes o meu corpo
sente a punição.
Ele treme, arrepia, expurga.
Grita, horroriza, espernea.
À noite a tormenta inicia.
É quando a sombria calada silencia.
O meu espírito liberto foge do corpo.
O meu corpo vazio implora outro porto.
Não volto, não quero, não revivo.
Não vivo, não durmo e não existo.
Se é ou não é, não sei estar.
Está-se há tempos de antigamente.
Vagando a alma na imensidão do caos.
Vidas e experiências vão fabricando novos
seres.
Na história e na memória sou um átimo de
tempo.
Não sei se fui ou se estou.
Sei que vou e não pretendo voltar.
Almejo libertar-me dos amores que agrilhoam a
alma.
A liberdade da identidade não atrai o meu
corpo.
As possibilidades dos mosaicos puxam-me a
carne.
domingo, 7 de setembro de 2014
Um sujeito pós-modernizado
Sou
um ser totalmente desnaturalizado.
Anormal
e também deformado.
Sou
um ser fragmentado.
Anormal
e também conspurcado.
Sou
um ser multicolores.
Anormal
e também dissabores.
Sou
um ser híbrido: o humano e o monstruoso.
Anormal
e também (des)cauteloso.
Sou
um ser adorável.
Anormal
e também (in)amável.
Sou
um ser masculino.
Anormal
e também feminino.
Sou
um ser bem apurado.
Anormal
e também metamorfoseado.
Surreais impressões
do nada
Acordei,
percebi que estava no meio do nada.
Tudo
era cinza, devastado, explorado.
Ouvia
seres, vozes e fantasmas.
Monstros
comiam a si próprios.
Pessoas
diluíam-se a si próprias.
Não
via corpos.
Visualizava
montes de carnes putrefatas.
Não
via gente.
Enxergava
vermes em decomposição.
Olhava
adiante, tudo era soturno.
O
nada, o tudo e ao mesmo tempo o caos.
O
buraco, a vastidão e a sensação.
Aves
de rapina desciam à Terra.
Eram
os comensais, ladrões de vidas.
As
carnes devoradas eram.
Eram
devoradas as carnes.
Os
ossos gritavam-me.
Pediam-me
o auxílio inaudível.
Socorro!
Socorro! Socorro!
Queriam
se libertar da prisão existencial.
No
anseio da libertação, um confidenciou-me,
_nunca
gostei de ser encosto de gente,
_nunca
quis ser suporte de carne,
_
nunca aceitei uma vida pungente,
_
sempre fui e quis ser um silente.
Impingidos
somos todos os dias.
A
ser vermes, ossos e carnes.
Monturos,
restos e sobras de tudo.
Descartam
a todos nos lixões sociais.
Jogam-nos
fora dos olhos sensoriais.
Dormi,
percebi que estava no meio do tudo.
Tudo
era escória, construído, oprimido.
Tenho o quê?
Tenho
os olhos tortos. Mortos, portos, ossos.
Tenho
a vida triste. Mortos, postes, ristes.
Tenho
o passado envolto. Mortos, tortos, rostos.
Tenho
a face encardida. Mortos, entretidas, descabidas.
Tenho
o amor morto. Mortos, Encostos, pressupostos.
Tenho
o sexo nu. Mortos, ânus, anuns.
Tenho
o beijo doce. Mortos, agridoces, acridoces.
Tenho
a vida-morte. Mortos, post-mortem, sortes.
segunda-feira, 25 de agosto de 2014
Angelus do Ébano
Embalaste a doce noite que descansa o
meu corpo.
Devaneios, aparições e prisões os meus
sentidos registraram.
Havia um anjo de asas abertas que
protegia o meu universo onírico.
Era um meigo e moreno ébano, cujos
respingos cintilavam a minha retina.
O seu corpo era esguio e doce como o
pau-canela.
O seu olhar era tímido e sensível como o
aroma de anis...
Oh, Moreno doce!
O teu sopro aqueceste o meu corpo.
Venhais das abissais e inconscientes cobiças
e materializa o meu desejo...
Libertai-me deste corpo enrijecido de
carne.
Alforriai-me das paixões terrenas.
Corpo, Alma, ardor e amor...
Anjo nobre desperta este torpor.
Quero ser o híbrido entre o humano e o
etéreo.
Mesmo que isso seja para muitos um
despautério.
Almejo ser o profano que toma em seus
braços o sagrado,
meu delicado Angelus de Ébano.