sábado, 28 de dezembro de 2013

Reflexões virtuais no final de 2013

A intenção dessa escrita é refletir sobre o ano que se finda na vida social∕virtual. Para esse intuito, necessário se faz que esse texto haja um tom confessional. A partir de algumas leituras de Foucault, percebo que o nosso tempo herda o confessionário como atributo social que nos marca e posiciona no mundo. Desde séculos da Idade Média, a igreja nos impõe confessar sobre os nossos pecados e mazelas para sermos absorvidos da nossa impureza por alguma instituição . Na atualidade, a confissão se materializou com novas roupagens que foram rompidas pelas redes sociais e outras mídias. É o que acontece diariamente quando “compartilhamos” os nossos medos, anseios e alegrias para todos e todas nos blogues, nos posts ou na imposição doentia facebookiana do “no que você está pensando”. Deste modo, como proposta de lançar novos questionamentos, como dito anteriormente, movo essa escrita confessional para encerrar esse ciclo da nossa vida: o ano velho .
Quem me conhece mais próximo sabe que esse ano de 2013 não foi fácil. Foram muitas recusas e entregas para chegar numa conclusão satisfatória do que planejara em 2012. Nesse ano que finda, posso pensar o quanto a minha vida foi profícua, pois fiz coisas que gosto muito como escrever e viajei em diferentes eventos acadêmicos rumo à socialização dessas escritas para que crescesse com outras vozes. Conheci novas pessoas que me somaram no saber da vida. Nesse tempo de 2013 neguei muitas amarras, que, de certa maneira, foram impostas nas relações sociais desde tenra idade. Uma destas negações foi que não queria pensar do mesmo jeito que pensava antes. Almejava ir adiante para crescer como ser humano e libertar-me dos processos discursivos de vitimizações que nos entrelaçam no cotidiano da vida. Queria ser maior para alcançar outros projetos e com isso, contribuir com a minha participação no mundo. Entretanto, chorei, senti dores na alma e no corpo e pude mais uma vez aprender com os sinais do universo de que algo precisava ser (re)pensado.
Ao passar por processos de renúncias refleti e notei o quanto há pessoas que se deixam condicionar pelo discurso da moda contemporânea do “não tenho tempo”, “estou correndo com a vida”, quando tiver um tempo... tempo... tempo, te ligo. Confesso que fiquei preocupado porque estava incorporando esses mesmos dizeres.  Dessa maneira, enxerguei que devemos rejeitar essas vozes porque nos entorpecem os sentidos humanos e nos transformam em máquinas frias e impessoais diante da existência. Dito de outro modo, constatei que a nossa vida não pode ser pautada somente por postagens frígidas e impessoais de feliz aniversário, feliz natal, feliz ano novo etc e tal. A vida definitivamente não está circunscrita a partir de fotos que corroboram uma suposta felicidade e bem sucedida existência ou de interações imagéticas do ser humano. Não, não e não, nego isso. A vida é mais que celebrar curtidas virtuais. A vida é subversão de muitas coisas, dentre tantas, o que é imposto e dado de forma natural que ensina a força do consumo e do ter, como sinônimo de “bem-estar-feliz”. Definitivamente essas práticas realmente não enobrecem os outros e nem nos tornam melhores; fui incompreendido por muitos por não aceitar essa imposição.
Refleti acerca do tempo e entendi que quando se quer tempo para o outro importante para nós, há sempre a possibilidade de alterar a jornada diária condicionada no ganhar dinheiro e “sobreviver” para estar ao lado de quem amamos, afinal, não é a quantidade dos encontros, mas a qualidades destes que soma nas relações de afeto. Como um flâneur, observei que não amamos todas as pessoas de nossa rede virtual, como bem afirmam alguns por aqui, pura ilusão. O amor não pode ser um sentimento banalizado. O amor é algo além daquilo que é dito para agradar sobre o que queremos ouvir. Nesse sentido, o amor pode ser demonstrado no momento em que segura a nossa mão em momentos de desordem e caos, e não somente amar é quando se diz tudo aquilo que o nosso ego quer ouvir, mas, devemos também amar quem nos faz recusar o que somos, posto que nos ajuda a transformar a nós mesmos na desestabilização do instituído. Essas pessoas posso dizer que são os nossos verdadeiros amigos, porque nos auxilia a recusar o que somos para sermos melhores e mais sensíveis ao alheio. O novo ano pode ser a promessa disso.
Visualizei em parte na rede muitas coisas acerca do estilo de vida virtual, como por exemplo, as existências marcadas por closes, flashes, fotos e ditos exacerbados, condicionados por uma espécie de “espetacularização do eu”, como forma de demonstrar sucesso, afeto, e “felicidade”, mesmo que em algumas vezes negligencia-se o privado. Privacidade é uma palavra em desuso na sociedade contemporânea, já que estamos o tempo todo vigiados pelos celulares, câmeras e holofotes com uma constante obrigação em levar para o público a nossa vida: filma-se e∕ou tira fotos do almoço, jantar, restaurante, o lazer, o sexo, o nascimento, a morte. Contudo, pode não ser um caminho muito saudável, porque nos deixam dependentes e viciados na tentativa de angariar curtidas e compartilhamentos o tempo todo, para isso, vale a invasão ao direito do outro à privacidade, numa mórbida fissura de tirar foto de todo encontro casual. Quem vai à contramão disso é tido como “anti-social”, tecnófobo e “chato”. Ainda nesse contexto, vi também o lado positivo dessa “rede social”, como as pessoas mil que não se falam nem um minuto na rede e∕ou corredores da vida, porque há uma imposição simbólica da quantidade de “amigos”, como atributo de popularidade. Não, não e não, isso não é sociabilidade, isso é mediocridade.
Posso dizer que tenho poucos amigos verdadeiros em minha vida que colaboram e me faz melhor no dia a dia e estes não estão limitados a rede social de jeito nenhum. Esses amistosos sabem sobre mim, conhecem as minhas angústias, alegrias e, da mesma forma, procuro saber do outro para retribuir nos momentos de angústias, alegrias, o crescimento que ambos obtiveram. Os meus poucos amados, falaram comigo nesse ano, ligaram, tomaram sorvete, viajaram e souberam o quanto preciso do amparo cuidadoso desse sentimento fraterno. Esses encontros só foram possíveis porque disponibilizamos tempo de nossas vidas “corridas” para estarmos juntos.
Dessa maneira, resolvi dedicar tempo precioso para dizer nesse texto sobre a importância de não se viver como robôs, frios e previsíveis no ato de executar uma tarefa. Quando se trata de humano, de relações afetivas, devemos questionar esse novo modelo de vida imposta com naturalizações, afinal, não é natural, substituirmos as nossas relações afetivas pelo virtual, pelo torpedo impessoal, pelo recado ou pelos emails descompromissados, embora haja uma corrente de pensamentos que defendem esses recursos como aproximação social. Ainda que acredite em partes nesses discursos, analiso-os e concluo que se faz necessário resgatarmos o “tete a tete”, a pele a pele para sermos vivos e humanos.
Quase por fim, compreendo diante do que apreendi nas redes sociais, que, esse tempo atual é o lugar que se vivencia uma nova ordem social, discutida por Gay Debord (Sociedade do Espetáculo) e Mario Vargas Llossa (A Civilização do Espetáculo), em que o espetacularizar é recorrente e se torna uma prática social aceita e valorizada da qual a sociedade do consumo não se esquivará tão fácil. De tal modo, concebo que esse espetáculo fabrica pessoas que estão perdidas pela lógica do consumo, do sonho realizado por um “deus” indecoroso que protege poucos e privilegia alguns. Nesse contexto, o que mais constatei no facebook no ano de 2013 foi o dito ∕escrito “você merece” após a postagem do carro novo, da casa, do namorado ou namorada, do novo corpo. Ora, esse discurso do mérito aniquila e insubordina o social, pois dá lugar ao outro de fracassado sem questionar as práticas sociais e econômicas, uma vez que subentende que, aquele não possuidor dos bens de consumo merece esse destino devido a incapacidade de servir esse “deus”  implacável que escolhe a dedo quem deve agradar com as recompensas para se espetacularizar na “vida de sucesso”.
Portanto, nesse novo ano que se mostra pela fenda do tempo, desejo a todos e todas mais reflexão convergida com a emoção. Para decodificarmos as cartas do universo que nos chegam precisamos de sensibilidade e atenção, e o mundo moderno entorpece esses atributos. Temos uma herança que de certa forma matou o humano, o pensamento cartesiano, que assevera uma incongruência do ser racional e emocional. Estes predicados digladiam e não se aceitam, porque foram-nos ensinados que a razão é superior à emoção. Entretanto, com os olhares atentos pude libertar-me dessa outra amarra, pois entendi que posso ser sensível e racional sem sentir culpa. Que esse ano vindouro possibilite novas trocas, saberes, dúvidas e novos caminhos que nos façam recusar o que somos para pensarmos diferentes do que pensamos hoje. Feliz 2014 a todos e todas por aqui e muita saúde e paz !!!

Nenhum comentário: