A intenção dessa
escrita é refletir sobre o ano que se finda na vida social∕virtual. Para esse
intuito, necessário se faz que esse texto haja um tom confessional. A partir de
algumas leituras de Foucault, percebo que o nosso tempo herda o confessionário
como atributo social que nos marca e posiciona no mundo. Desde séculos da Idade
Média, a igreja nos impõe confessar sobre os nossos pecados e mazelas para
sermos absorvidos da nossa impureza por alguma instituição . Na atualidade, a
confissão se materializou com novas roupagens que foram rompidas pelas redes
sociais e outras mídias. É o que acontece diariamente quando “compartilhamos”
os nossos medos, anseios e alegrias para todos e todas nos blogues, nos posts
ou na imposição doentia facebookiana do “no que você está pensando”. Deste modo,
como proposta de lançar novos questionamentos, como dito anteriormente, movo
essa escrita confessional para encerrar esse ciclo da nossa vida: o ano velho .
Quem me conhece mais
próximo sabe que esse ano de 2013 não foi fácil. Foram muitas recusas e
entregas para chegar numa conclusão satisfatória do que planejara em 2012. Nesse
ano que finda, posso pensar o quanto a minha vida foi profícua, pois fiz coisas
que gosto muito como escrever e viajei em diferentes eventos acadêmicos rumo à
socialização dessas escritas para que crescesse com outras vozes. Conheci novas
pessoas que me somaram no saber da vida. Nesse tempo de 2013 neguei muitas amarras,
que, de certa maneira, foram impostas nas relações sociais desde tenra idade. Uma
destas negações foi que não queria pensar do mesmo jeito que pensava antes. Almejava
ir adiante para crescer como ser humano e libertar-me dos processos discursivos
de vitimizações que nos entrelaçam no cotidiano da vida. Queria ser maior para
alcançar outros projetos e com isso, contribuir com a minha participação no
mundo. Entretanto, chorei, senti dores na alma e no corpo e pude mais uma vez aprender
com os sinais do universo de que algo precisava ser (re)pensado.
Ao passar por processos
de renúncias refleti e notei o quanto há pessoas que se deixam condicionar pelo
discurso da moda contemporânea do “não tenho tempo”, “estou correndo com a vida”,
quando tiver um tempo... tempo... tempo, te ligo. Confesso que fiquei
preocupado porque estava incorporando esses mesmos dizeres. Dessa maneira, enxerguei que devemos rejeitar essas
vozes porque nos entorpecem os sentidos humanos e nos transformam em máquinas
frias e impessoais diante da existência. Dito de outro modo, constatei que a nossa
vida não pode ser pautada somente por postagens frígidas e impessoais de feliz
aniversário, feliz natal, feliz ano novo etc e tal. A vida definitivamente não
está circunscrita a partir de fotos que corroboram uma suposta felicidade e bem
sucedida existência ou de interações imagéticas do ser humano. Não, não e não,
nego isso. A vida é mais que celebrar curtidas virtuais. A vida é subversão de muitas
coisas, dentre tantas, o que é imposto e dado de forma natural que ensina a
força do consumo e do ter, como sinônimo de “bem-estar-feliz”. Definitivamente
essas práticas realmente não enobrecem os outros e nem nos tornam melhores; fui
incompreendido por muitos por não aceitar essa imposição.
Refleti acerca do tempo
e entendi que quando se quer tempo para o outro importante para nós, há sempre
a possibilidade de alterar a jornada diária condicionada no ganhar dinheiro e “sobreviver”
para estar ao lado de quem amamos, afinal, não é a quantidade dos encontros,
mas a qualidades destes que soma nas relações de afeto. Como um flâneur,
observei que não amamos todas as pessoas de nossa rede virtual, como bem afirmam
alguns por aqui, pura ilusão. O amor não pode ser um sentimento banalizado. O
amor é algo além daquilo que é dito para agradar sobre o que queremos ouvir. Nesse
sentido, o amor pode ser demonstrado no momento em que segura a nossa mão em
momentos de desordem e caos, e não somente amar é quando se diz tudo aquilo que
o nosso ego quer ouvir, mas, devemos também amar quem nos faz recusar o que
somos, posto que nos ajuda a transformar a nós mesmos na desestabilização do instituído.
Essas pessoas posso dizer que são os nossos verdadeiros amigos, porque nos auxilia
a recusar o que somos para sermos melhores e mais sensíveis ao alheio. O novo
ano pode ser a promessa disso.
Visualizei em parte na rede
muitas coisas acerca do estilo de vida virtual, como por exemplo, as existências
marcadas por closes, flashes, fotos e ditos exacerbados, condicionados por uma
espécie de “espetacularização do eu”, como forma de demonstrar sucesso, afeto,
e “felicidade”, mesmo que em algumas vezes negligencia-se o privado. Privacidade
é uma palavra em desuso na sociedade contemporânea, já que estamos o tempo todo
vigiados pelos celulares, câmeras e holofotes com uma constante obrigação em
levar para o público a nossa vida: filma-se e∕ou tira fotos do almoço, jantar, restaurante,
o lazer, o sexo, o nascimento, a morte. Contudo, pode não ser um caminho muito
saudável, porque nos deixam dependentes e viciados na tentativa de angariar
curtidas e compartilhamentos o tempo todo, para isso, vale a invasão ao direito
do outro à privacidade, numa mórbida fissura de tirar foto de todo encontro
casual. Quem vai à contramão disso é tido como “anti-social”, tecnófobo e “chato”.
Ainda nesse contexto, vi também o lado positivo dessa “rede social”, como as pessoas
mil que não se falam nem um minuto na rede e∕ou corredores da vida, porque há
uma imposição simbólica da quantidade de “amigos”, como atributo de popularidade.
Não, não e não, isso não é sociabilidade, isso é mediocridade.
Posso dizer que tenho poucos
amigos verdadeiros em minha vida que colaboram e me faz melhor no dia a dia e
estes não estão limitados a rede social de jeito nenhum. Esses amistosos sabem
sobre mim, conhecem as minhas angústias, alegrias e, da mesma forma, procuro
saber do outro para retribuir nos momentos de angústias, alegrias, o
crescimento que ambos obtiveram. Os meus poucos amados, falaram comigo nesse
ano, ligaram, tomaram sorvete, viajaram e souberam o quanto preciso do amparo
cuidadoso desse sentimento fraterno. Esses encontros só foram possíveis porque
disponibilizamos tempo de nossas vidas “corridas” para estarmos juntos.
Dessa maneira, resolvi
dedicar tempo precioso para dizer nesse texto sobre a importância de não se
viver como robôs, frios e previsíveis no ato de executar uma tarefa. Quando se
trata de humano, de relações afetivas, devemos questionar esse novo modelo de
vida imposta com naturalizações, afinal, não é natural, substituirmos as nossas
relações afetivas pelo virtual, pelo torpedo impessoal, pelo recado ou pelos
emails descompromissados, embora haja uma corrente de pensamentos que defendem
esses recursos como aproximação social. Ainda que acredite em partes nesses
discursos, analiso-os e concluo que se faz necessário resgatarmos o “tete a tete”,
a pele a pele para sermos vivos e humanos.
Quase por fim, compreendo
diante do que apreendi nas redes sociais, que, esse tempo atual é o lugar que se
vivencia uma nova ordem social, discutida por Gay Debord (Sociedade do Espetáculo)
e Mario Vargas Llossa (A Civilização do Espetáculo), em que o espetacularizar é
recorrente e se torna uma prática social aceita e valorizada da qual a
sociedade do consumo não se esquivará tão fácil. De tal modo, concebo que esse
espetáculo fabrica pessoas que estão perdidas pela lógica do consumo, do sonho
realizado por um “deus” indecoroso que protege poucos e privilegia alguns. Nesse
contexto, o que mais constatei no facebook no ano de 2013 foi o dito ∕escrito
“você merece” após a postagem do carro novo, da casa, do namorado ou namorada, do
novo corpo. Ora, esse discurso do mérito aniquila e insubordina o social, pois
dá lugar ao outro de fracassado sem questionar as práticas sociais e econômicas,
uma vez que subentende que, aquele não possuidor dos bens de consumo merece
esse destino devido a incapacidade de servir esse “deus” implacável que escolhe
a dedo quem deve agradar com as recompensas para se espetacularizar na “vida de sucesso”.
Portanto, nesse novo
ano que se mostra pela fenda do tempo, desejo a todos e todas mais reflexão
convergida com a emoção. Para decodificarmos as cartas do universo que nos
chegam precisamos de sensibilidade e atenção, e o mundo moderno entorpece esses
atributos. Temos uma herança que de certa forma matou o humano, o pensamento cartesiano,
que assevera uma incongruência do ser racional e emocional. Estes predicados digladiam
e não se aceitam, porque foram-nos ensinados que a razão é superior à emoção. Entretanto,
com os olhares atentos pude libertar-me dessa outra amarra, pois entendi que
posso ser sensível e racional sem sentir culpa. Que esse ano vindouro possibilite
novas trocas, saberes, dúvidas e novos caminhos que nos façam recusar o que
somos para pensarmos diferentes do que pensamos hoje. Feliz 2014 a todos e
todas por aqui e muita saúde e paz !!!
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