Hoje, ao acordar, duas
palavras vieram-me à mente: tristeza e dor. Não gosto da ideia de que na
atualidade temos a obrigação em ser feliz o tempo todo. Penso ser perigosa essa
via, na medida em que se exige nessa estrada impositiva do 'ser feliz', a
irreflexão da e sobre a vida, do e sobre os outros, de e sobre quem somos.
Nesse sentido, percebe-se uma obrigação perigosa quando se espetaculariza um eu
que amortece/entorpece o momento da reflexão, da percepção do que não está no
lugar ou do que está no lugar há muito tempo (o estático também é sinal de
morte existencial).
O mundo não está no
lugar e as pessoas também não e esses paradoxos incita-nos a seguir em frente
transformando o nosso mundo exterior/interior, reivindicando a mudança, o
movimento. Concebo a dor e a tristeza como oportunidades criativas, em que
tornamo-nos mais sensíveis com o outro e com nós mesmos. É um instante em que
se é possível pensar sobre o que fazemos de nossas vidas no cotidiano e o que
realizamos com o nosso semelhante, afinal, as nossas relações sendo cada vez
mais midiatizadas e automatizadas, leva-nos ao abismo do qual não sairemos
jamais...
Vive-se o tempo que
chamo de 'gratuidade da felicidade', pois com essa obrigação, vale a todo custo
alimentar o monstro faminto do desiquilíbrio financeiro, dos excessos do corpo
e da alma, da arrogância e do apagamento do outro como forma de superioridade. ‘Ser
feliz’ da forma que se impõe na contemporaneidade, tornou-se um consumo e as
pessoas que não consomem esse valor está fora de uma norma cruel e assassina.
Consumimos corpos,
pessoas, almas, casas, carros, viagens etecetera e tal, e nunca estamos satisfeitos.
Não quero afirmar aqui com essa problematização, que se deve enaltecer a
tristeza e a dor, como talvez fora proposto pelos adeptos do byronismo no
século XIX. Almejo sim, respeitar a dor e a tristeza como processos de reflexão
e criatividade, em que ambas, não estão fora de mim e por isso me
(auto)constitui e possibilita pensar sobre quem sou e o que o outro representa
para mim .
Quantas pessoas, por
exemplo, seriam menos complicadas em suas relações como o mundo, se no momento
de suas atribulações, escrevessem o que sentem, como um processo de
"escrita automática" (aquela sobre a qual não temos controle do que emerge). Quantas
pessoas valorizariam o tempo do café, da conversa descompromissada, do passeio
sem pressa do "ir embora", da troca de olhar sutil, da contemplação
do simples e do belo, se olhassem para o outro como complemento humano do que
sou e percebessem que todos estão no mesmo barco, independente de classe
social, religião, gênero, escolaridade etc.
Se a dor e a
tristeza batessem à porta, saberíamos em
quem podemos confiar a nossas mazelas internas, pois cuidar e se preocupar com
o outro vai além de simplesmente dizer nas redes sociais que todos são amigos e
que por isso, são amados. Valorizar os outros vai além de dizer de forma
fragmentada sobre importância do outro em nossa vida. Fazer o outro sentir-se
importante vai além de mensagens instantâneas promovidas pelas novas
tecnologias...
Construímos realidades
no mundo a partir de ações e estas estão em desuso a cada dia a dia, porque
falta afeto... Não, não e não, os processos afetivos não se solidificam por
trocas cotidianas de imagens/postagens e/ou cumprimentos rápidos com desculpas
cada vez comuns do “estou sem/não tenho tempo”, “trabalho demais” (trabalho
para consumir mais). As relações afetivas se materializam no tempo para o
outro, tempo este que a maioria afirma não ter mais.
O egoísmo está tão
naturalizado em nossa sociedade que não olhamos para quem está ao nosso lado (não
podemos dar lugar a esse monstro, somos mais que isso). Infelizmente, vivemos
conectados 24h por dia, ainda assim, estamos perdidos em meio à multidão voraz
que se alimenta da espetacularização e da banalização do outro.
Portanto, para encerrar
essa breve escrita, sugiro que respeitemos a dor e a tristeza como processo de
produção e transformação de quem somos e valorizemos a oportunidade de estarmos
presentes amparando quem sente a dor e a tristeza antes de nós. Sendo assim,
neste nosso tempo, vejo que se ri de tudo e por qualquer coisa, como maneira de
mascarar uma vida sem sentido e por isso, sem reflexão e sentimento.