quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Gratidão ao médico



“Prometo que, ao exercer a arte de curar, mostrar-me-ei sempre fiel aos preceitos da honestidade, da caridade e da ciência”
Esse excerto acima é o juramento de Hipócrates que vem de encontro à nossa tentativa em refletir sobre a medicina na atualidade. Acho importante que nós cidadãos façamos sempre que possível, críticas e ressalvas aos bens públicos oferecidos pelos governantes. Quando não satisfeitos, podemos exercer a escrita como algo que permite a inserção no mundo social do qual fazemos parte porque a linguagem constrói a nossa realidade e a molda em diferentes práticas sociais. Dessa maneira, esse texto não tem o intuito de denunciar nenhum órgão público quanto ao seu serviço. Não tem o intuito de dicotomizar a figura do médico em “mocinho” e “vilão” como se tem evidenciado na contemporaneidade. Pelo contrário, essa escrita evidencia gratidão pela prestação de serviço oferecido pela rede pública de saúde, sobretudo, na prestação de serviço dada por vários profissionais teimosos contra o sistema instituído que validam o juramento de Hipócrates na labuta diária. Aqui os homenageados têm nome. Contudo, poderia ser quaisquer médicos do nosso Brasil que lutam contra um sistema falido sem condições mínimas de dignidade no ofício da medicina. 
Dias atrás, recorri ao médico em função de problema de saúde, indo até o posto próximo ao meu bairro. Nunca havia consultado com esse médico que chegara pouco mais de um ano. O seu nome, Leonardo Driessen Rodrigues Carvalho, prestador de serviço do Programa Saúde na Família (PSF) no Jardim Suíço na cidade de Anápolis. Fiquei impressionado com a organização e limpeza desse recinto. Embora já houvesse prestado serviço para a prefeitura Municipal de Anápolis na confecção dos cartões do SUS em anos anteriores, havia muito tempo que não ia até essa unidade de saúde. Atento, com o meu olhar perscrutador, por sinal, habilidade desenvolvida na reflexão diária de pesquisador, comecei a sondar o ambiente que voltara como paciente e não prestador de serviço de outrora.
Fiquei impressionado ao longo das minhas idas e vindas, com tantas pessoas falando de um médico, jovem e atento à comunidade local. Ao indagar algumas pessoas sobre esse médico, as pessoas me confessavam que adorava esse profissional porque ele era atencioso, gentil e excelente pessoa. Ora, fiquei pensando sobre essa suposta atenção, que até então não havia confirmado para mim. Seria diferente o que se ouve e propaga no senso comum? De que os médicos são impessoais e frios? Sim, seria.  Então, após ouvir essas polifonias ressoantes, pude perceber que as pessoas querem se sentir valorizadas. Constatei nesse breve momento, que as pessoas ansiavam ser reconhecidas com as suas mazelas e tratadas como cidadãs que pagam os seus altos impostos para alimentar a máquina pública no Brasil. Assim, nesse recinto em Anápolis, o que ocorria é a valorização do ser humano. Inferi que as atendentes desse posto têm também como incumbência mitigar o desumano que muitas vezes presenciamos em diferentes clínicas e hospitais (públicos e/ou privados) nas grandes cidades e nos interiores.  Os pacientes ali são tratados como humanos. São seres que, por diferentes motivos se sentem fragilizados por algum mal e/ou doença que bate à porta e que almejam a cura. Cheguei à conclusão que o respeito e a prestação de serviço ética dada pelos profissionais da saúde que ali estão são capitais para que os pacientes se sintam valorizados, cuidados e amparados. Assim, constatei que esse jovem médico, cujo nome é Leonardo Carvalho, atende as pessoas com respeito e tratamento humano, como se confirmou nas vozes que ecoaram até mim enquanto estive passando por ali em retornos de consulta. Queria ouvir aquelas pessoas e sai da recepção para sondá-las enquanto aguardava a minha vez. Embora não fosse nenhuma pesquisa etnográfica, queria perscrutar e entender esse processo.  
Lembrei no momento que ouvia alguns pacientes no posto, da minha querida amiga Aline Neto de Almeida, médica neurologista em Goiânia. Lembrei-me de suas agruras diárias para o sonhado exercício da medicina. Foram tantas lutas para se formar médica. Foram tantas horas de sua vida dedicada para forma-se com qualidade. Noites de estudos e excessiva carga de motivação para ser algo que escolhera. Notei que o mesmo olhar que circundava Aline, rodeava Leonardo, cercava outra médica também da qual pude conhecer nesse mesmo posto de saúde: Simone Afonso Boasorte, profissional à época do PSF. Os olhares desses profissionais doam atenção, respeito e dedicação aos seus pacientes. Para mim esses profissionais evocavam força e equilíbrio, força motriz para o mitigo da dor do outro que ia além de uma prescrição de remédios.
Posto isso, a atitude de prestar serviço de saúde para a comunidade com o mínimo de decência e respeito deveria ser para nós algo natural e não fora do comum. Infelizmente, sabemos ao transitarmos pelos grandes centros de nosso país e porque não em nossas cidades do estado, que isso não acontece. Ainda que o meu olhar seja limitado para saber as causas desse processo de impessoalidade e banalização da vida humana, percebo que há um negligenciamento por parte de alguns gestores públicos para a efetiva prestação de qualidade da nossa saúde. Vivemos tempos em que a sociedade vive num “mundo em descontrole”, como bem afirmou Antony Giddens. Habitamos um mundo caótico, ou numa concepção baumaniana, um mundo marcado pelas relações líquidas em que os descartes tornam-se valorizados para a convivência humana. São os tempos líquidos, tempos esses que coisificam o humano e alienam o processo do convívio social e do processo de exercício das profissões. Com a saúde não seria diferente: médicos (e pacientes) estressados, coisificados, mal pagos, sem condições mínimas de atuação profissional. Pacientes deixados como animais nos corredores de hospitais para o ‘abatimento social’. Muitos deixarão de existir não porque os médicos falharam, mas, porque o sistema falhou e negligenciou em suas políticas públicas de saúde o mínimo para o cidadão. Assim sendo, pude perceber que o caos das relações humanas é subvertido por esses médicos que teimam oferecer algo a mais que um simples olhar técnico e prescritivo aos seus pacientes. É sovertido esse caos porque atendem aos pacientes olhando nos seus olhos, vendo-os como pessoas humanas. Atentos não somente ao ser biológico, mas, ao ser psico-bio-socio-cultural que somos.
Diante do que analisei em relação à atual conjuntura dos médicos no país, algo me deixou pensativo em relação ao programa PSF e ao profissional Leonardo Carvalho e a tantos outros que possam existir por aí. Sem o devido investimento neste profissional, a comunidade local pouco poderá usufruir. Primeiro que, quem é bom naquilo que faz quer ser reconhecido também como tal em nível salarial. Quem quer o respeito como profissional exige condições mínimas para suturas e feitura de curativos, remédios de menor complexidade acessíveis para a população. Ou seja, os médicos e demais profissionais querem o básico de toda prestação de saúde com o mínimo de qualidade. Segundo, quem oferece o melhor quer o melhor como retorno. Portanto, constato, após voltar três vezes no Jardim Suíço, que a comunidade atesta a prestação de serviço humanizada dada pelo médico em questão. No entanto, sem investimento e políticas públicas de permanência desse bom profissional médico a sua saída futura poderá ser inevitável. Como já aconteceu com a médica Simone Boasorte e tantos outros em nossa cidade.
O que quero dizer com isso? Quero (re)afirmar a necessidade de se investir no profissional médico que trata os seus pacientes como seres humanos, com atenção e respeito. São esses profissionais que a sociedade necessita valorizar e que o prefeito tem de ter participação. Os profissionais que prestam serviço público de qualidade deveriam ser os melhores remunerados porque o país, o Estado, os municípios, a sociedade, ganhariam com o bem estar dos cidadãos e estariam reconhecendo o direito alienável à saúde tão preconizado pela Constituição Federal em seu artigo sexto. Afinal, não basta que pague bolsas de estudo e permanência pelo país afora sem que haja condições mínimas de atuação do médico na comunidade local. Defendo por exemplo, a permanência do profissional (professor, médico etc.) próximo à comunidade. Os laços que se estreitam estabelecem vínculos importantes na compreensão do ser humano que vir a adoecer ou ter dificuldades de aprendizagem. No entanto, parece que os bons profissionais se não bem reconhecidos, fogem dessa comunidade rumo a outros centros/setores que os valorizem. Há uma política instituída do desafeto em nossos setores públicos na medida em que não há a possibilidade de profissionais serem concursados. Portanto, os contratos temporários de prestação de serviços abarrotam o serviço público sem oportunizar o acesso ao profissional competente assumir o concurso público.
 Por fim, com a mesma leveza e atenção dada a mim e a tantos ouros pacientes dessa comunidade da qual faço parte, escrevo esse texto para materializar a minha gratidão por ainda haver profissionais dedicados em seu ofício escolhido. Profissionais da envergadura de Simone Boasorte, Aline de Almeida, Leonardo Carvalho, quero aqui, que a vozes dos pacientes anônimos se entrecruzem à minha para dizer que temos orgulho da profissão escolhida por vocês. Leonardo Carvalho, que a sua prestação de serviço continue indo além do simples olhar técnico. A sua dedicação pelo que constatei, vai de encontro aos moldes avançados de outros países que preconizam ouvir o paciente, tratá-lo como humano (de forma pessoalizada). Sabemos que, para compreender e curar uma patologia é necessária a compressão do humano como uma teia complexa de relações psicossociais. Afinal, somos mais que unidades biológicas. Somos seres psíquicos, culturais, sociais e espirituais. E como tais, somos seres humanos com histórias, vivências e culturas localizadas em tempos e espaços diferentes. Obrigado pela prestação de serviço na comunidade do Jardim Suíço em Anápolis. Você é motivo de orgulho de todos nós que convivemos nessa jornada social diária.  
Texto publicado no Diário da Manhã/Opinião Pública em 23out.2013. Disponível em: <http://www.dm.com.br/jornal/#!/view?e=20131023&p=24>

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

A educação está de luto no dia dos professores


Hoje, dia do professor, gostaria de parabenizá-lo pelo seu oficio. No entanto, na atual conjuntura, isso não é possível porque muitas coisas na educação não estão coerentes, não estão no lugar devido. O que move essa escrita é a indignação e a falta de respeito direcionado diariamente aos docentes sob diferentes maneiras. Essas formas direcionadas são simbólicas e silenciosas, que passam às vezes despercebidos pela maioria da sociedade. Assim, esse texto caro (a) leitor(a) tem um significado de protesto que representa as tantas vozes que tornaram-se emudecidas pela violência imputada a aos docentes. 
De acordo com o jornal Folha de São Paulo (Fábio Takahashi em 11/11/2011), os candidatos selecionados no último concurso tiveram uma média de desistência muito alta. Após dois meses de ingresso nesse concurso, a média de pedido de exoneração era de dois professores por dia. Em convergência a esse fato, dois anos depois, segundo a revista Veja (edição 01/09/13-seção Educação), a média de pedido de exoneração no estado de São Paulo entre os anos de 2008 a 2012 foram de 3000 professores por ano. Já a notícia veiculada pelo jornal O tempo (seção Cidades- publicado em 23/09/13), dão-nos conta de que a cada dia cinco professores concursados pedem demissão em Minas Gerais. Por que trago esses rápidos dados? Para pensarmos nesse dia do (a) professor (a) e refletir sobre essa desistência desses profissionais. O que tem feito esses profissionais abrirem mão do tão sonhado concurso público e a sua possibilidade de estabilidade?
Em tempos longínquos, a educação não era assim. O professor era célebre pelo saber que possuía. Pode-se afirmar que o momento de um suposto reconhecimento dessa profissão deu-se aproximadamente na década de 40, quando o seu salário e status poderia ser comparado ao de um juiz. Para as professoras e pesquisadoras Paula Perin Vicentini e Rosario Lugli, especialistas no tema e autoras do livro “História da Profissão Docente no Brasil: representações em disputa” não há concordância a esse status, pelo contrário, segundo as autoras, nunca ficou a evidência de que esse fato realmente existiu. Em décadas anteriores exigia-se desse profissional uma cultura ampla, pois era ensinada na escola (elitista, para poucos) arte, literatura, latim, francês, inglês, etc. Portanto, era uma escola que se fazia admissão para poucos terem acesso e serem treinados para cargos de liderança na sociedade. A escola pública ainda não era prioridade do Estado. Com o advento da industrialização no Brasil, foi necessária a criação de uma escola de massas, pública, que colocassem ‘operários’ mais letrados para uso das máquinas e das funções que se exigiam à época.
As fábricas, nesse sentido, foram importantes para construir o modelo de escola que temos: disciplinadora, reguladora, que dispõe em forma de grade o currículo e as disciplinas (note-se que disciplina é palavra de ordem reivindicada nos manicômios, presídios etc.). Nas fábricas e escolas ainda ecoa o som diário que sinaliza aos disciplinados a hora de recolher às atividades laboriosas. Pode-se afirmar que o processo de formação de professores também obedeceu às políticas de massas. Na medida em que se criaram diferentes polos e universidades, os cursos de licenciaturas ofertados tornaram-se ou pretendiam se constituir uma política pública (ineficiente) para que os professores já atuantes pudessem ter curso superior, uma vez que muitos ainda possuíam ensino magistério (técnico-Normal) ou até fundamental (basta ver o Norte e o Nordeste, por exemplo). Infelizmente, na medida em que foram criando mecanismos para que outros formassem professores, o nível da oferta e procura cresceu rapidamente sem se preocupar com a qualidade dessa formação. Muitos governos priorizavam estatísticas que validassem uma excelente formação de professores sem questionar como e qual o motivo formar professores. Portanto, a educação nesse molde da formação em série com o simples intuito de suturar feridas históricas acerca da falta de qualidade no ensino imputados aos profissionais da educação sem a escolaridade exigida , serviu para fazer com que muitos docentes fossem reconhecidos pelos governantes como meros profissionais que executam, cuidam, e cumpre o que é determinado via documentos determinados pelos gestores públicos. Nesse sentido, é possível afirmar que houve (ou ainda há) uma preocupação dos nossos governantes somente com os números e estatísticas, que não significavam nada quando se pensa em qualidade oferecida aos discentes pelo Brasil afora. Assim, a educação passou a ser enviesada pelos moldes neoliberais que transfere a responsabilidade para o mercado e/ou instituições privadas (na maioria instituições financeiras poderosas, atreladas ao discurso do investimento social) que ‘enlatam’ o que deve e pode ser ensinado em sala de aula. Para nós, esses mecanismos tornaram-se a materialização dos “inimigos da escola”, unidos a “Projetos Jovens sem Futuro”. Porque é isso o que acontece quando não se discute educação com quem entende de educação: negam direitos legais ao acesso e permanência de quem precisa da escola pública (de qualidade).
A lógica neoliberal tem uma grande contribuição para o cenário que se desenha em nosso Brasil no que tange à educação. Ao instituir fórmulas e metas exigidas pelo Banco Mundial (BM-poderio financeiro) estamos afundando a nossa educação. Para que se materialize esse “Pacto Pela Educação” que muitos governos têm adotado, as nossas escolas pelo Brasil se tornaram cotidianamente empresas, ou fábricas de diplomados. Então, nessa perversa lógica, vivencia-se diuturnamente a destituição de direitos sociais asseverados pela nossa Constituição Federal em seu artigo sexto. Assim, tem-se que os nossos discentes ao final de uma educação básica e, portanto, elementar, não poderão acessar outros ambientes que exigem uma educação que mune o indivíduo para transitar socialmente de forma cidadã em diversos espaços da cultura dominante. Muitos não conseguirão cursar uma universidade pública e logo, não será oportunizada a superação dos problemas sociais que assolam os nossos jovens. No discurso neoliberal, será valorizada a inserção dos nossos alunos e alunas nas IES privadas que recebem investimentos financeiros do governo federal. Ou seja, os nossos ‘despatriados sociais’ não têm a educação de qualidade porque podem pagar a faculdade com o trabalho ou com financiamentos supostamente acessíveis. Sabe-se que muitos exercem outras profissões pelo dia e estudam à noite. Para quem não tem condições de pagar o curso de graduação, financiam esse curso e ao terminá-lo começa a carreira devendo-o. Educação de qualidade? Não sabemos.
Nesse viés do neoliberalismo, as nossas escolas são transformadas em empresas. Temos o gerente, o supervisor (que controla o professor para governar a sua prática pedagógica) e ainda para somar-se a isso, se institui o mérito de assiduidade através de ‘bonificações’ que se assemelham aos mecanismos behavioristas de comportamento. (Quantos ratinhos não sofreram para serem treinados hein?). Vive-se nas empresas-escolas tempos de competição mercadológica entre alunos e alunas, professores e professoras e porque não, entre a melhor nota do Ideb X contra a escola do Ideb Y, o que pode se configurar em práticas discriminatórias entre as escolas e o alunado. Nesse sentido, com as ditas premiações dadas nesses contextos escolares, temos mecanismos de controle e governo oferecidos pela recompensa que se baseia no reforço, estímulo e resposta. Assim, para esses cumprimentos empresariais de metas de produção, para ser o ‘professor destaque do mês’, tem-se o preenchimento de relatórios, planilhas, fichas, gráficos etc. Faz-se acreditar em números como algo de verdade e os números numa sociedade cartesiana são ‘verdades’ construídas e forjadas sob a égide de interesses de alguns (quem será o favorecido?). Logo, Não existe neutralidade nesses números, estes podem mascarar o que bem seja conveniente.
    Então, como a sociedade pode pensar que a educação está bem se os números não são neutros? Já que podem ser engessados em testes que não traduzem a realidade da educação brasileira. De que maneira pode se exigir uma educação de qualidade se os governantes veem esses profissionais da educação como meros reprodutores de livros didáticos, quando não cartilhas e/ou fórmulas descontextualizadas da realidade de cada comunidade escolar? A capacidade de autonomia desse profissional está totalmente maculada porque para o neoliberalismo, é importante que o mercado regule quem deve permanecer nele e, embora muitos pregam que todos terão acesso de qualidade em cursos superiores, é uma falácia, porque as pesquisas afirmam que  muitos concluintes do Ensino Médio não se apropriam das devidas habilidades exigidas. Afinal, quem é o deus nesse modelo de educação neoliberal? O mercado. Para o Estado é deixada as suas obrigações para se pactuar (pacto é outra palavra de ordem do neoliberalismo) com as instituições financeiras que regulam modelos de ensino a serem aplicados. Ora, se se precisa de pessoas diplomadas para atuar nas ‘fábricas’ como bem quer a classe dominante, não é coerente termos uma educação emancipadora que agencie a cidadania. Com a educação que se delineia na atualidade, têm-se alunos e alunas automatizados e por isso, ensinados a não pensar. Da mesma forma que robôs, apenas repetem e copiam o que é exigido como ‘metas de uma boa educação’ ou como “pacto” como alguns queiram chamar. Parece-nos que o círculo vicioso continua. Basta observarmos que a escola da contemporaneidade configura numa espaço fabril de ‘operários’ e “desfiliados sociais” que são violentados em seus direitos sociais e por isso são excluídos socialmente.
    Afinal, nessa imposição neoliberal de educação é necessário que os nossos discentes saibam lidar cada vez mais com aparatos tecnológicos nas indústrias e ‘fábricas’. Ensinar a pensar torna-se uma prática cada vez mais insossa em nossos ambientes escolares, porque com a rapidez e urgência que se faz a educação-empresa, não se faz importante pensar sobre os processos que permeiam uma sociedade complexa. Assim, muitos de nossos alunos e alunas no Brasil só repetem, memorizam, copiam, esquecem. Exceto aprendem, apropriam, transformam, questionam. São tidos como robôs, não sabem nada além do programado. E quem ganha com isso? Os donos do poder que querem explorar esses ‘diplomados da incompetência’. Essa é a educação que nós professores sonhamos ao cursarmos uma graduação? Tenho certeza que não.
Como educadores não estamos satisfeitos com tudo que tem se delineado na educação pública. A nossa reivindicação não pode ser algo à parte, de classe. A sociedade, sobretudo a civil, tem de perceber que sem a educação de qualidade e sem bons profissionais respeitados com um plano de carreia adequado, sem estrutura nas escolas, não se pode querer outra coisa a não ser a barbárie. Por falar em plano de carreira, outra prática perversa do neoliberalismo é incorporar gratificações ao piso do professor para cumprimento da lei 11.738/2008. Assim, nessa suposta ‘valorização da carreira docente’ fica uma mensagem para todos: de que não vale a pena investir em educação. No discurso proferido por alguns governantes de que a educação é ‘meta’ de qualidade torna-se incoerente e, por isso contraditório pois o profissional bem remunerado e com um plano de carreira adequado permanece na rede pública. O discurso é tão contraditório, por exemplo, em relação ao professor (a) investir em estudos de ‘qualificação’ porque a esse profissional é negado o direito de cursar mestrado e doutorado com a sua licença remunerada de direito em diversas esferas estaduais (criam-se mecanismos para essa formação continuada e impede o acesso a ela negando as licenças de aprimoramento profissional). Percebam que, qualificar é um verbo incorporado pela ordem neoliberal- o sujeito na atualidade, na medida em que incorpora esse discurso, à sua prática profissional, nunca estará devidamente qualificado porque o mercado impõe sempre essa suposta qualificação para justificar as vacâncias de profissionais nos serviços públicos e/ou privados ofertados.
A sociedade, ao achar que pelo fato de pagar as escolas privadas (caras) aos seus filhos e não exigir uma educação pública de qualidade está livre do caos que se instaura na atualidade no Brasil, equivoca-se, porque como ficou muito clara e concisa a reflexão de Fernando Garcez (DM- seção Especial para o Diário da Manhã em 08/10/13), “mesmo que seu filho(a), leitor, não estude na escola pública, isso recai sobre você de duas formas: 1) o dinheiro do imposto é mal aproveitado; 2) induz as escolas particulares a aumentar o valor das mensalidades. Além do impacto financeiro, a questão social requer ser considerada”. Isto é, todos e todas devem exigir dos poderes públicos qualidade na educação e um plano de carreira coerente que permaneça o já efetivo servidor e busque alternativas de atração dos melhores cérebros para as futuras gerações nas escolas públicas, sem deixar de mencionar a importância de se oferecer as devidas estruturas físicas e didático-pedagógicas para esses profissionais atuem.
Igualmente, estamos de luto pela educação. Exigimos nesse dia do professor respeito como profissionais que contribuem em parte para a cidadania e emancipação humana. Pedimos que a sociedade deixe de construir significados vitimizadores acerca de nós. Não somos coitadinhos e nem queremos ser, somos professores e como qualquer profissional de curso superior, queremos salários e condições dignas de permanência na carreira do magistério. Almejamos a valorização devida. Reivindicamos o direito de estudar em formação avançada e ter acesso a uma carreira decente e não indecente. Não somos e nem pretendemos ser missionários que vivem de amor. Podemos amar e cuidar sem sermos pai e mãe de alguém. Não somos e nem queremos ser a extensão do afeto de ninguém. Não vivemos de filantropia em nossa profissão como bem tem ensinado as lógicas neoliberais nos “amigos da escola”. Não somos e nem queremos ser os redentores de uma educação falida, mentirosa e conspurcada pelos números. Os números mentem e não são verdadeiros porque a ‘verdade’ nasce em tempo e lugar histórico e por isso ela é ideológica. Não somos tios, somos profissionais e queremos que deixe de culpabilizar o fracasso escolar mascarado pelos números em função da atuação docente. A culpa não é do professor, a culpa é de quem mente e omite sobre a educação. A culpa é de quem é conivente com a hipocrisia e com o elitismo. A culpa é de quem valoriza a sociedade de classe e impede o acesso ao outro de transformar a sua vida a partir de mecanismos igualitários. A escola e nem os professores são responsáveis pelas mazelas do mundo.  Precisamos pagar as nossas contas, investir em cultura, formação continuada, comprar livros etc. Não vivemos de ‘premiações’. Desejamos viver com o que é de nosso direito, direito esse conquistado pelos estudos que angariamos.  

Portanto, queremos que a profissão docente seja vista como algo de prestígio social. Aspiramos que os nossos discentes ambicionem ser professores, mas, para isso, são necessárias as políticas públicas que atraem os grandes cérebros. Assim sendo, fazemos um apelo à sociedade: exija a educação e a valorização de bons profissionais para os seus filhos. Bons profissionais precisam ter salários atraentes e oportunidade de avançar os seus estudos acadêmicos (sem serem punidos) para permanecer na rede básica de educação. A todos e todas pedimos que não se contentem com uma educação qualquer. Queiram que as próximas gerações possam abrir novas janelas na vida através dos estudos de qualidade porque se não for feito nada por parte dos governantes e de toda a sociedade organizada, muitos terão de se contentar com o que já se evidencia nos quadros das nossas escolas públicas: a desistência do professor altamente preparado. Luto na educação!   
Texto publicado no jornal Diário da Manhã em 15/10/13 Disponível em: <http://www.dm.com.br/jornal/index#!/view?e=20131015&p=24>