quinta-feira, 17 de outubro de 2013

A educação está de luto no dia dos professores


Hoje, dia do professor, gostaria de parabenizá-lo pelo seu oficio. No entanto, na atual conjuntura, isso não é possível porque muitas coisas na educação não estão coerentes, não estão no lugar devido. O que move essa escrita é a indignação e a falta de respeito direcionado diariamente aos docentes sob diferentes maneiras. Essas formas direcionadas são simbólicas e silenciosas, que passam às vezes despercebidos pela maioria da sociedade. Assim, esse texto caro (a) leitor(a) tem um significado de protesto que representa as tantas vozes que tornaram-se emudecidas pela violência imputada a aos docentes. 
De acordo com o jornal Folha de São Paulo (Fábio Takahashi em 11/11/2011), os candidatos selecionados no último concurso tiveram uma média de desistência muito alta. Após dois meses de ingresso nesse concurso, a média de pedido de exoneração era de dois professores por dia. Em convergência a esse fato, dois anos depois, segundo a revista Veja (edição 01/09/13-seção Educação), a média de pedido de exoneração no estado de São Paulo entre os anos de 2008 a 2012 foram de 3000 professores por ano. Já a notícia veiculada pelo jornal O tempo (seção Cidades- publicado em 23/09/13), dão-nos conta de que a cada dia cinco professores concursados pedem demissão em Minas Gerais. Por que trago esses rápidos dados? Para pensarmos nesse dia do (a) professor (a) e refletir sobre essa desistência desses profissionais. O que tem feito esses profissionais abrirem mão do tão sonhado concurso público e a sua possibilidade de estabilidade?
Em tempos longínquos, a educação não era assim. O professor era célebre pelo saber que possuía. Pode-se afirmar que o momento de um suposto reconhecimento dessa profissão deu-se aproximadamente na década de 40, quando o seu salário e status poderia ser comparado ao de um juiz. Para as professoras e pesquisadoras Paula Perin Vicentini e Rosario Lugli, especialistas no tema e autoras do livro “História da Profissão Docente no Brasil: representações em disputa” não há concordância a esse status, pelo contrário, segundo as autoras, nunca ficou a evidência de que esse fato realmente existiu. Em décadas anteriores exigia-se desse profissional uma cultura ampla, pois era ensinada na escola (elitista, para poucos) arte, literatura, latim, francês, inglês, etc. Portanto, era uma escola que se fazia admissão para poucos terem acesso e serem treinados para cargos de liderança na sociedade. A escola pública ainda não era prioridade do Estado. Com o advento da industrialização no Brasil, foi necessária a criação de uma escola de massas, pública, que colocassem ‘operários’ mais letrados para uso das máquinas e das funções que se exigiam à época.
As fábricas, nesse sentido, foram importantes para construir o modelo de escola que temos: disciplinadora, reguladora, que dispõe em forma de grade o currículo e as disciplinas (note-se que disciplina é palavra de ordem reivindicada nos manicômios, presídios etc.). Nas fábricas e escolas ainda ecoa o som diário que sinaliza aos disciplinados a hora de recolher às atividades laboriosas. Pode-se afirmar que o processo de formação de professores também obedeceu às políticas de massas. Na medida em que se criaram diferentes polos e universidades, os cursos de licenciaturas ofertados tornaram-se ou pretendiam se constituir uma política pública (ineficiente) para que os professores já atuantes pudessem ter curso superior, uma vez que muitos ainda possuíam ensino magistério (técnico-Normal) ou até fundamental (basta ver o Norte e o Nordeste, por exemplo). Infelizmente, na medida em que foram criando mecanismos para que outros formassem professores, o nível da oferta e procura cresceu rapidamente sem se preocupar com a qualidade dessa formação. Muitos governos priorizavam estatísticas que validassem uma excelente formação de professores sem questionar como e qual o motivo formar professores. Portanto, a educação nesse molde da formação em série com o simples intuito de suturar feridas históricas acerca da falta de qualidade no ensino imputados aos profissionais da educação sem a escolaridade exigida , serviu para fazer com que muitos docentes fossem reconhecidos pelos governantes como meros profissionais que executam, cuidam, e cumpre o que é determinado via documentos determinados pelos gestores públicos. Nesse sentido, é possível afirmar que houve (ou ainda há) uma preocupação dos nossos governantes somente com os números e estatísticas, que não significavam nada quando se pensa em qualidade oferecida aos discentes pelo Brasil afora. Assim, a educação passou a ser enviesada pelos moldes neoliberais que transfere a responsabilidade para o mercado e/ou instituições privadas (na maioria instituições financeiras poderosas, atreladas ao discurso do investimento social) que ‘enlatam’ o que deve e pode ser ensinado em sala de aula. Para nós, esses mecanismos tornaram-se a materialização dos “inimigos da escola”, unidos a “Projetos Jovens sem Futuro”. Porque é isso o que acontece quando não se discute educação com quem entende de educação: negam direitos legais ao acesso e permanência de quem precisa da escola pública (de qualidade).
A lógica neoliberal tem uma grande contribuição para o cenário que se desenha em nosso Brasil no que tange à educação. Ao instituir fórmulas e metas exigidas pelo Banco Mundial (BM-poderio financeiro) estamos afundando a nossa educação. Para que se materialize esse “Pacto Pela Educação” que muitos governos têm adotado, as nossas escolas pelo Brasil se tornaram cotidianamente empresas, ou fábricas de diplomados. Então, nessa perversa lógica, vivencia-se diuturnamente a destituição de direitos sociais asseverados pela nossa Constituição Federal em seu artigo sexto. Assim, tem-se que os nossos discentes ao final de uma educação básica e, portanto, elementar, não poderão acessar outros ambientes que exigem uma educação que mune o indivíduo para transitar socialmente de forma cidadã em diversos espaços da cultura dominante. Muitos não conseguirão cursar uma universidade pública e logo, não será oportunizada a superação dos problemas sociais que assolam os nossos jovens. No discurso neoliberal, será valorizada a inserção dos nossos alunos e alunas nas IES privadas que recebem investimentos financeiros do governo federal. Ou seja, os nossos ‘despatriados sociais’ não têm a educação de qualidade porque podem pagar a faculdade com o trabalho ou com financiamentos supostamente acessíveis. Sabe-se que muitos exercem outras profissões pelo dia e estudam à noite. Para quem não tem condições de pagar o curso de graduação, financiam esse curso e ao terminá-lo começa a carreira devendo-o. Educação de qualidade? Não sabemos.
Nesse viés do neoliberalismo, as nossas escolas são transformadas em empresas. Temos o gerente, o supervisor (que controla o professor para governar a sua prática pedagógica) e ainda para somar-se a isso, se institui o mérito de assiduidade através de ‘bonificações’ que se assemelham aos mecanismos behavioristas de comportamento. (Quantos ratinhos não sofreram para serem treinados hein?). Vive-se nas empresas-escolas tempos de competição mercadológica entre alunos e alunas, professores e professoras e porque não, entre a melhor nota do Ideb X contra a escola do Ideb Y, o que pode se configurar em práticas discriminatórias entre as escolas e o alunado. Nesse sentido, com as ditas premiações dadas nesses contextos escolares, temos mecanismos de controle e governo oferecidos pela recompensa que se baseia no reforço, estímulo e resposta. Assim, para esses cumprimentos empresariais de metas de produção, para ser o ‘professor destaque do mês’, tem-se o preenchimento de relatórios, planilhas, fichas, gráficos etc. Faz-se acreditar em números como algo de verdade e os números numa sociedade cartesiana são ‘verdades’ construídas e forjadas sob a égide de interesses de alguns (quem será o favorecido?). Logo, Não existe neutralidade nesses números, estes podem mascarar o que bem seja conveniente.
    Então, como a sociedade pode pensar que a educação está bem se os números não são neutros? Já que podem ser engessados em testes que não traduzem a realidade da educação brasileira. De que maneira pode se exigir uma educação de qualidade se os governantes veem esses profissionais da educação como meros reprodutores de livros didáticos, quando não cartilhas e/ou fórmulas descontextualizadas da realidade de cada comunidade escolar? A capacidade de autonomia desse profissional está totalmente maculada porque para o neoliberalismo, é importante que o mercado regule quem deve permanecer nele e, embora muitos pregam que todos terão acesso de qualidade em cursos superiores, é uma falácia, porque as pesquisas afirmam que  muitos concluintes do Ensino Médio não se apropriam das devidas habilidades exigidas. Afinal, quem é o deus nesse modelo de educação neoliberal? O mercado. Para o Estado é deixada as suas obrigações para se pactuar (pacto é outra palavra de ordem do neoliberalismo) com as instituições financeiras que regulam modelos de ensino a serem aplicados. Ora, se se precisa de pessoas diplomadas para atuar nas ‘fábricas’ como bem quer a classe dominante, não é coerente termos uma educação emancipadora que agencie a cidadania. Com a educação que se delineia na atualidade, têm-se alunos e alunas automatizados e por isso, ensinados a não pensar. Da mesma forma que robôs, apenas repetem e copiam o que é exigido como ‘metas de uma boa educação’ ou como “pacto” como alguns queiram chamar. Parece-nos que o círculo vicioso continua. Basta observarmos que a escola da contemporaneidade configura numa espaço fabril de ‘operários’ e “desfiliados sociais” que são violentados em seus direitos sociais e por isso são excluídos socialmente.
    Afinal, nessa imposição neoliberal de educação é necessário que os nossos discentes saibam lidar cada vez mais com aparatos tecnológicos nas indústrias e ‘fábricas’. Ensinar a pensar torna-se uma prática cada vez mais insossa em nossos ambientes escolares, porque com a rapidez e urgência que se faz a educação-empresa, não se faz importante pensar sobre os processos que permeiam uma sociedade complexa. Assim, muitos de nossos alunos e alunas no Brasil só repetem, memorizam, copiam, esquecem. Exceto aprendem, apropriam, transformam, questionam. São tidos como robôs, não sabem nada além do programado. E quem ganha com isso? Os donos do poder que querem explorar esses ‘diplomados da incompetência’. Essa é a educação que nós professores sonhamos ao cursarmos uma graduação? Tenho certeza que não.
Como educadores não estamos satisfeitos com tudo que tem se delineado na educação pública. A nossa reivindicação não pode ser algo à parte, de classe. A sociedade, sobretudo a civil, tem de perceber que sem a educação de qualidade e sem bons profissionais respeitados com um plano de carreia adequado, sem estrutura nas escolas, não se pode querer outra coisa a não ser a barbárie. Por falar em plano de carreira, outra prática perversa do neoliberalismo é incorporar gratificações ao piso do professor para cumprimento da lei 11.738/2008. Assim, nessa suposta ‘valorização da carreira docente’ fica uma mensagem para todos: de que não vale a pena investir em educação. No discurso proferido por alguns governantes de que a educação é ‘meta’ de qualidade torna-se incoerente e, por isso contraditório pois o profissional bem remunerado e com um plano de carreira adequado permanece na rede pública. O discurso é tão contraditório, por exemplo, em relação ao professor (a) investir em estudos de ‘qualificação’ porque a esse profissional é negado o direito de cursar mestrado e doutorado com a sua licença remunerada de direito em diversas esferas estaduais (criam-se mecanismos para essa formação continuada e impede o acesso a ela negando as licenças de aprimoramento profissional). Percebam que, qualificar é um verbo incorporado pela ordem neoliberal- o sujeito na atualidade, na medida em que incorpora esse discurso, à sua prática profissional, nunca estará devidamente qualificado porque o mercado impõe sempre essa suposta qualificação para justificar as vacâncias de profissionais nos serviços públicos e/ou privados ofertados.
A sociedade, ao achar que pelo fato de pagar as escolas privadas (caras) aos seus filhos e não exigir uma educação pública de qualidade está livre do caos que se instaura na atualidade no Brasil, equivoca-se, porque como ficou muito clara e concisa a reflexão de Fernando Garcez (DM- seção Especial para o Diário da Manhã em 08/10/13), “mesmo que seu filho(a), leitor, não estude na escola pública, isso recai sobre você de duas formas: 1) o dinheiro do imposto é mal aproveitado; 2) induz as escolas particulares a aumentar o valor das mensalidades. Além do impacto financeiro, a questão social requer ser considerada”. Isto é, todos e todas devem exigir dos poderes públicos qualidade na educação e um plano de carreira coerente que permaneça o já efetivo servidor e busque alternativas de atração dos melhores cérebros para as futuras gerações nas escolas públicas, sem deixar de mencionar a importância de se oferecer as devidas estruturas físicas e didático-pedagógicas para esses profissionais atuem.
Igualmente, estamos de luto pela educação. Exigimos nesse dia do professor respeito como profissionais que contribuem em parte para a cidadania e emancipação humana. Pedimos que a sociedade deixe de construir significados vitimizadores acerca de nós. Não somos coitadinhos e nem queremos ser, somos professores e como qualquer profissional de curso superior, queremos salários e condições dignas de permanência na carreira do magistério. Almejamos a valorização devida. Reivindicamos o direito de estudar em formação avançada e ter acesso a uma carreira decente e não indecente. Não somos e nem pretendemos ser missionários que vivem de amor. Podemos amar e cuidar sem sermos pai e mãe de alguém. Não somos e nem queremos ser a extensão do afeto de ninguém. Não vivemos de filantropia em nossa profissão como bem tem ensinado as lógicas neoliberais nos “amigos da escola”. Não somos e nem queremos ser os redentores de uma educação falida, mentirosa e conspurcada pelos números. Os números mentem e não são verdadeiros porque a ‘verdade’ nasce em tempo e lugar histórico e por isso ela é ideológica. Não somos tios, somos profissionais e queremos que deixe de culpabilizar o fracasso escolar mascarado pelos números em função da atuação docente. A culpa não é do professor, a culpa é de quem mente e omite sobre a educação. A culpa é de quem é conivente com a hipocrisia e com o elitismo. A culpa é de quem valoriza a sociedade de classe e impede o acesso ao outro de transformar a sua vida a partir de mecanismos igualitários. A escola e nem os professores são responsáveis pelas mazelas do mundo.  Precisamos pagar as nossas contas, investir em cultura, formação continuada, comprar livros etc. Não vivemos de ‘premiações’. Desejamos viver com o que é de nosso direito, direito esse conquistado pelos estudos que angariamos.  

Portanto, queremos que a profissão docente seja vista como algo de prestígio social. Aspiramos que os nossos discentes ambicionem ser professores, mas, para isso, são necessárias as políticas públicas que atraem os grandes cérebros. Assim sendo, fazemos um apelo à sociedade: exija a educação e a valorização de bons profissionais para os seus filhos. Bons profissionais precisam ter salários atraentes e oportunidade de avançar os seus estudos acadêmicos (sem serem punidos) para permanecer na rede básica de educação. A todos e todas pedimos que não se contentem com uma educação qualquer. Queiram que as próximas gerações possam abrir novas janelas na vida através dos estudos de qualidade porque se não for feito nada por parte dos governantes e de toda a sociedade organizada, muitos terão de se contentar com o que já se evidencia nos quadros das nossas escolas públicas: a desistência do professor altamente preparado. Luto na educação!   
Texto publicado no jornal Diário da Manhã em 15/10/13 Disponível em: <http://www.dm.com.br/jornal/index#!/view?e=20131015&p=24>

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