segunda-feira, 30 de junho de 2014

A dor e a tristeza

Hoje, ao acordar, duas palavras vieram-me à mente: tristeza e dor. Não gosto da ideia de que na atualidade temos a obrigação em ser feliz o tempo todo. Penso ser perigosa essa via, na medida em que se exige nessa estrada impositiva do 'ser feliz', a irreflexão da e sobre a vida, do e sobre os outros, de e sobre quem somos. Nesse sentido, percebe-se uma obrigação perigosa quando se espetaculariza um eu que amortece/entorpece o momento da reflexão, da percepção do que não está no lugar ou do que está no lugar há muito tempo (o estático também é sinal de morte existencial).
O mundo não está no lugar e as pessoas também não e esses paradoxos incita-nos a seguir em frente transformando o nosso mundo exterior/interior, reivindicando a mudança, o movimento. Concebo a dor e a tristeza como oportunidades criativas, em que tornamo-nos mais sensíveis com o outro e com nós mesmos. É um instante em que se é possível pensar sobre o que fazemos de nossas vidas no cotidiano e o que realizamos com o nosso semelhante, afinal, as nossas relações sendo cada vez mais midiatizadas e automatizadas, leva-nos ao abismo do qual não sairemos jamais...
Vive-se o tempo que chamo de 'gratuidade da felicidade', pois com essa obrigação, vale a todo custo alimentar o monstro faminto do desiquilíbrio financeiro, dos excessos do corpo e da alma, da arrogância e do apagamento do outro como forma de superioridade. ‘Ser feliz’ da forma que se impõe na contemporaneidade, tornou-se um consumo e as pessoas que não consomem esse valor está fora de uma norma cruel e assassina.
Consumimos corpos, pessoas, almas, casas, carros, viagens etecetera e tal, e nunca estamos satisfeitos. Não quero afirmar aqui com essa problematização, que se deve enaltecer a tristeza e a dor, como talvez fora proposto pelos adeptos do byronismo no século XIX. Almejo sim, respeitar a dor e a tristeza como processos de reflexão e criatividade, em que ambas, não estão fora de mim e por isso me (auto)constitui e possibilita pensar sobre quem sou e o que o outro representa para mim .
Quantas pessoas, por exemplo, seriam menos complicadas em suas relações como o mundo, se no momento de suas atribulações, escrevessem o que sentem, como um processo de "escrita automática" (aquela sobre a qual  não temos controle do que emerge). Quantas pessoas valorizariam o tempo do café, da conversa descompromissada, do passeio sem pressa do "ir embora", da troca de olhar sutil, da contemplação do simples e do belo, se olhassem para o outro como complemento humano do que sou e percebessem que todos estão no mesmo barco, independente de classe social, religião, gênero, escolaridade etc.
Se a dor e a tristeza  batessem à porta, saberíamos em quem podemos confiar a nossas mazelas internas, pois cuidar e se preocupar com o outro vai além de simplesmente dizer nas redes sociais que todos são amigos e que por isso, são amados. Valorizar os outros vai além de dizer de forma fragmentada sobre importância do outro em nossa vida. Fazer o outro sentir-se importante vai além de mensagens instantâneas promovidas pelas novas tecnologias...
Construímos realidades no mundo a partir de ações e estas estão em desuso a cada dia a dia, porque falta afeto... Não, não e não, os processos afetivos não se solidificam por trocas cotidianas de imagens/postagens e/ou cumprimentos rápidos com desculpas cada vez comuns do “estou sem/não tenho tempo”, “trabalho demais” (trabalho para consumir mais). As relações afetivas se materializam no tempo para o outro, tempo este que a maioria afirma não ter mais.
O egoísmo está tão naturalizado em nossa sociedade que não olhamos para quem está ao nosso lado (não podemos dar lugar a esse monstro, somos mais que isso). Infelizmente, vivemos conectados 24h por dia, ainda assim, estamos perdidos em meio à multidão voraz que se alimenta da espetacularização e da banalização do outro.
Portanto, para encerrar essa breve escrita, sugiro que respeitemos a dor e a tristeza como processo de produção e transformação de quem somos e valorizemos a oportunidade de estarmos presentes amparando quem sente a dor e a tristeza antes de nós. Sendo assim, neste nosso tempo, vejo que se ri de tudo e por qualquer coisa, como maneira de mascarar uma vida sem sentido e por isso, sem reflexão e sentimento.

Texto publicado no Jornal Diário da Manhã em 01/07/14. Disponível em: http://www.dm.com.br/texto/182162

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