As eleições de 2014 e alguns paradoxos
Neste último domingo,
dia em que os eleitores foram às urnas para obrigatoriamente decidir o rumo da
política brasileira, pude ouvir vários discursos que fizeram-me conjeturar
sobre o que é cidadania e o exercício do voto, cujo ato refletirá durante
quatro anos em nossas vidas, compreendi
que o exemplo de uma figura pública pode ser dado pelas mínimas coisas.
Algo chamou-me a
atenção pela manhã, não sendo diferente de quase todas as eleições anteriores,
a prática de jogar os panfletos eleitorais, mais comumente chamados de
“santinhos”. Para mim não há nada de ‘santo’ nesta legitimidade política que
polui visual e ambientalmente as nossas cidades, ao contrário, chega a ser
afrontosa a imposição dos candidatos em descer goela abaixo as suas imagens sorridentes
diante do eleitorado.
Quando penso nestes “santinhos”,
compreendo também que as imagens destes candidatos é uma falta de respeito com
o cidadão de bem que ao ser obrigado a levantar-se no domingo em seu único dia
de descanso, também é compelido a transitar por um espaço coletivo sujo e antiestético
que é a rua nos dias das eleições e mais, um ambiente que torna-se perigoso
devido as possibilidades de acidentes, tais como, fraturas, traumatismo
craniano, quedas etc., proporcionadas pelo papel escorregadio . As praças e alamedas,
locais de sociabilidade e lazer, tornam-se um amontoado de panfletos de
candidatos que ao concordarem com este crime eleitoral, realmente não merecem
voto algum do povo brasileiro.
Infelizmente, parece
que poucos conseguem associar as imagens poluentes nas ruas com as práticas de
gestão e governo destes candidatos na agenda política no Brasil. Será que há
neutralidade nestes candidatos na decisão do rumo social de um povo quando
permitem um crime dessa magnitude? Não concebo que uma coisa se dissocia de
outra, pelo menos no que tange à anuência destes senhores/as do poder político
e a forma arbitrária de mudar a opinião do voto do eleitor antes de adentrar a
cabine de votação. O eleitor já não está tão alienado do seu lugar na sociedade
a ponto de mudar de ideia porque viu lixo na rua. Além de vetusta essa prática
dos “santinhos” é um crime que deveria ser punido com rigor, embora o presidente
do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), desembargador Walter Carlos Lemes,
prometeu punições severas em jornal televisivo da capital na última
segunda-feira. O que subentende a partir da entrevista é que será a primeira
penalidade em sua gestão, já que candidatos serão responsabilizados.
Quando penso que muitos
profissionais da limpeza urbana de Goiânia e de nossas cidades, são os
responsáveis para trazer de volta a ordem cotidiana das ruas limpas e que no
mínimo, terão de retirar só na capital mais de 140 toneladas de lixo, entendo
que as prefeituras devem reconhecer o papel importante deste profissional em
nosso país com salários dignos e condições de trabalho humanamente aceitáveis.
Imaginemos a quantidade de lixo retirada neste primeiro turno em todo o estado
e cidades brasileiras. Desta maneira, da mesma forma que o serviço voluntariado
recebe dois dias pelo trabalho nas eleições, seria plausível que estes
profissionais obtivessem uma escala de folga em dobro pelo serviço prestado
(não creio ser obrigação de o gari limpar a sujeira do candidato-figura pública
irresponsável). Bem se sabe que uma prática cultural não se muda em quatro
anos. Haverá candidatos porcalhões nas próximas eleições que aceitarão os
“santinhos” nas ruas (espero não no segundo turno aqui em Goiás).
Sugiro a alguns
candidatos bem intencionados, cujos valores gastos em campanhas são mais de 30
milhões de reais, segundo prestação de contas nesta eleição, que deem uma
contrapartida social limpando as ruas conspurcadas. Recomendo ainda, que os
mesmos candidatos eleitos, tenham a coragem de vir à mídia pedir desculpas ao
eleitorado diante destas ações imundas de nossas cidades, ações estas
autorizadas pelos partidos e afins e que estes mesmos eleitos prometam não
causar danos ambientais dessa natureza (os bueiros, rios e córregos também agradecem),
sob pena de entrar para uma ‘ficha imunda’. O ato de vir à mídia televisiva (mais
acessiva do grande público) poderia ser um começo de cidadania e urbanidade, um
exemplo ao restante da sociedade. Afinal, muitos dos nossos políticos dizem que
representam o povo, e a lei do “sujou, limpou”, deve ser aplicada também aos
moradores do parnaso político. Como cidadão, observarei as medidas tomadas pelo
órgão superior eleitoral em relação à imundície, pois tenho o direito de exigir
punição civil.
Outro paradoxo
encontrado no turno eleitoral foram as relações com o serviço voluntário de
mesários e a espera exacerbada de eleitores obrigados a votar. Neste primeiro
turno fiquei indignado com a maneira com que os mesários trabalharam com um
sistema biométrico ineficiente, cuja autorização do presidente, para que o
eleitor votasse só se daria após oito tentativas. Como presidente de seção,
juntamente com os meus colegas, tivemos de ouvir, com razão, as indignações dos
eleitores diante de filas quilométricas que esperavam por mais/quase (de) duas
horas.
Além disso, muitos
mesários voluntários foram obrigados a trabalhar em seções ajuntadas com quase
400 eleitores. Um exemplo concreto disso foi a minha, situada na Paróquia São
Sebastião em Anápolis-GO, seção 178-179. Diante de tantos paradoxos, aumenta o
tempo médio na fila, o eleitor desiste de fazer algo que já não acredita tanto:
votar. Somado a toda essa epopeia,
juntam-se as seções, o voluntário ganha R$ 25,00 para almoço e trabalha de
forma exaurida para cumprir um suposto ato de cidadania. Parece-me que a
mecanização da mão de obra (pós)industrial chegou para os mesários. Paga-se R$
25,00 para quatro mesários o que teria de ser pago para outros quatros se não
fossem unidas as seções. No final da matemática a conta é simples: R$ 100,00 de
economia e o ato cívico cumprido –agradeça por fazer parte da família cívica
brasileira. Mas e a qualidade nos serviços públicos prestados, fica em segundo
plano?
Reflitamos, o voto é
obrigatório e ainda assim o cidadão é compelido a ficar em filas sem cadeiras
confortáveis, disponibilizadas somente para eleitores preferenciais? Os
mesários com eleitores acumulados de outras seções não podem ter o mínimo direito
de se organizarem para um almoço com qualidade? Como organizar horários para
refeições, se antes do almoço, eleitores lançam injúrias devida a falta de
paciência por esperarem 1h e 40 minutos também sem almoço? Cadê a cidadania de
ambas as partes tão propalada nos veículos midiáticos durante o processo
eleitoral?
Assim, encerro este
artigo convidando o leitor e os demais candidatos, a pensarem sobre o que é
cidadania, urbanidade, hombridade, direitos básicos. Deixo materializada nesta
breve escrita, a vergonha que tenho em saber que muitos candidatos dos quais
estarão/estão no poder, são os mesmos que endossaram/endossam as sujeiras de
nossas ruas com os seus “santinhos”, são/serão também os mesmos que
assujeitarão a parte mais vulnerável de uma sociedade: o povo. Digo mais, estes
candidatos não me representam, porque como docente, incito a reflexão em meus
discentes e provoco-os no sentido de (trans)formar a realidade que os cercam.
Espero que neste segundo turno, o exemplo seja dado pelos nossos digníssimos
candidatos ao governo estadual, pois definitivamente, se os virmos nas ruas em
“santinhos”, na manhã do dia 26 de outubro, emporcalhando as nossas vistas, com
certeza é preciso (re)pensarmos as nossas escolhas no ato de votar, porque de
paradoxos políticos a nossa sociedade
está cheia.
Texto publicado no jornal Diário da Manhã no dia 06 out. 2014. Disponível em: <http://www.dm.com.br/jornal/#!/view?e=20141007&p=21
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