sexta-feira, 24 de outubro de 2014


As eleições de 2014 e alguns paradoxos  
Neste último domingo, dia em que os eleitores foram às urnas para obrigatoriamente decidir o rumo da política brasileira, pude ouvir vários discursos que fizeram-me conjeturar sobre o que é cidadania e o exercício do voto, cujo ato refletirá durante quatro anos em  nossas vidas, compreendi que o exemplo de uma figura pública pode ser dado pelas mínimas coisas.
Algo chamou-me a atenção pela manhã, não sendo diferente de quase todas as eleições anteriores, a prática de jogar os panfletos eleitorais, mais comumente chamados de “santinhos”. Para mim não há nada de ‘santo’ nesta legitimidade política que polui visual e ambientalmente as nossas cidades, ao contrário, chega a ser afrontosa a imposição dos candidatos em descer goela abaixo as suas imagens sorridentes diante do eleitorado.
Quando penso nestes “santinhos”, compreendo também que as imagens destes candidatos é uma falta de respeito com o cidadão de bem que ao ser obrigado a levantar-se no domingo em seu único dia de descanso, também é compelido a transitar por um espaço coletivo sujo e antiestético que é a rua nos dias das eleições e mais, um ambiente que torna-se perigoso devido as possibilidades de acidentes, tais como, fraturas, traumatismo craniano, quedas etc., proporcionadas pelo papel escorregadio . As praças e alamedas, locais de sociabilidade e lazer, tornam-se um amontoado de panfletos de candidatos que ao concordarem com este crime eleitoral, realmente não merecem voto algum do povo brasileiro.
Infelizmente, parece que poucos conseguem associar as imagens poluentes nas ruas com as práticas de gestão e governo destes candidatos na agenda política no Brasil. Será que há neutralidade nestes candidatos na decisão do rumo social de um povo quando permitem um crime dessa magnitude? Não concebo que uma coisa se dissocia de outra, pelo menos no que tange à anuência destes senhores/as do poder político e a forma arbitrária de mudar a opinião do voto do eleitor antes de adentrar a cabine de votação. O eleitor já não está tão alienado do seu lugar na sociedade a ponto de mudar de ideia porque viu lixo na rua. Além de vetusta essa prática dos “santinhos” é um crime que deveria ser punido com rigor, embora o presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), desembargador Walter Carlos Lemes, prometeu punições severas em jornal televisivo da capital na última segunda-feira. O que subentende a partir da entrevista é que será a primeira penalidade em sua gestão, já que candidatos serão responsabilizados.  
Quando penso que muitos profissionais da limpeza urbana de Goiânia e de nossas cidades, são os responsáveis para trazer de volta a ordem cotidiana das ruas limpas e que no mínimo, terão de retirar só na capital mais de 140 toneladas de lixo, entendo que as prefeituras devem reconhecer o papel importante deste profissional em nosso país com salários dignos e condições de trabalho humanamente aceitáveis. Imaginemos a quantidade de lixo retirada neste primeiro turno em todo o estado e cidades brasileiras. Desta maneira, da mesma forma que o serviço voluntariado recebe dois dias pelo trabalho nas eleições, seria plausível que estes profissionais obtivessem uma escala de folga em dobro pelo serviço prestado (não creio ser obrigação de o gari limpar a sujeira do candidato-figura pública irresponsável). Bem se sabe que uma prática cultural não se muda em quatro anos. Haverá candidatos porcalhões nas próximas eleições que aceitarão os “santinhos” nas ruas (espero não no segundo turno aqui em Goiás).
Sugiro a alguns candidatos bem intencionados, cujos valores gastos em campanhas são mais de 30 milhões de reais, segundo prestação de contas nesta eleição, que deem uma contrapartida social limpando as ruas conspurcadas. Recomendo ainda, que os mesmos candidatos eleitos, tenham a coragem de vir à mídia pedir desculpas ao eleitorado diante destas ações imundas de nossas cidades, ações estas autorizadas pelos partidos e afins e que estes mesmos eleitos prometam não causar danos ambientais dessa natureza (os bueiros, rios e córregos também agradecem), sob pena de entrar para uma ‘ficha imunda’. O ato de vir à mídia televisiva (mais acessiva do grande público) poderia ser um começo de cidadania e urbanidade, um exemplo ao restante da sociedade. Afinal, muitos dos nossos políticos dizem que representam o povo, e a lei do “sujou, limpou”, deve ser aplicada também aos moradores do parnaso político. Como cidadão, observarei as medidas tomadas pelo órgão superior eleitoral em relação à imundície, pois tenho o direito de exigir punição civil. 
Outro paradoxo encontrado no turno eleitoral foram as relações com o serviço voluntário de mesários e a espera exacerbada de eleitores obrigados a votar. Neste primeiro turno fiquei indignado com a maneira com que os mesários trabalharam com um sistema biométrico ineficiente, cuja autorização do presidente, para que o eleitor votasse só se daria após oito tentativas. Como presidente de seção, juntamente com os meus colegas, tivemos de ouvir, com razão, as indignações dos eleitores diante de filas quilométricas que esperavam por mais/quase (de) duas horas.
Além disso, muitos mesários voluntários foram obrigados a trabalhar em seções ajuntadas com quase 400 eleitores. Um exemplo concreto disso foi a minha, situada na Paróquia São Sebastião em Anápolis-GO, seção 178-179. Diante de tantos paradoxos, aumenta o tempo médio na fila, o eleitor desiste de fazer algo que já não acredita tanto: votar.  Somado a toda essa epopeia, juntam-se as seções, o voluntário ganha R$ 25,00 para almoço e trabalha de forma exaurida para cumprir um suposto ato de cidadania. Parece-me que a mecanização da mão de obra (pós)industrial chegou para os mesários. Paga-se R$ 25,00 para quatro mesários o que teria de ser pago para outros quatros se não fossem unidas as seções. No final da matemática a conta é simples: R$ 100,00 de economia e o ato cívico cumprido –agradeça por fazer parte da família cívica brasileira. Mas e a qualidade nos serviços públicos prestados, fica em segundo plano?
Reflitamos, o voto é obrigatório e ainda assim o cidadão é compelido a ficar em filas sem cadeiras confortáveis, disponibilizadas somente para eleitores preferenciais? Os mesários com eleitores acumulados de outras seções não podem ter o mínimo direito de se organizarem para um almoço com qualidade? Como organizar horários para refeições, se antes do almoço, eleitores lançam injúrias devida a falta de paciência por esperarem 1h e 40 minutos também sem almoço? Cadê a cidadania de ambas as partes tão propalada nos veículos midiáticos durante o processo eleitoral?

Assim, encerro este artigo convidando o leitor e os demais candidatos, a pensarem sobre o que é cidadania, urbanidade, hombridade, direitos básicos. Deixo materializada nesta breve escrita, a vergonha que tenho em saber que muitos candidatos dos quais estarão/estão no poder, são os mesmos que endossaram/endossam as sujeiras de nossas ruas com os seus “santinhos”, são/serão também os mesmos que assujeitarão a parte mais vulnerável de uma sociedade: o povo. Digo mais, estes candidatos não me representam, porque como docente, incito a reflexão em meus discentes e provoco-os no sentido de (trans)formar a realidade que os cercam. Espero que neste segundo turno, o exemplo seja dado pelos nossos digníssimos candidatos ao governo estadual, pois definitivamente, se os virmos nas ruas em “santinhos”, na manhã do dia 26 de outubro, emporcalhando as nossas vistas, com certeza é preciso (re)pensarmos as nossas escolhas no ato de votar, porque de paradoxos políticos  a nossa sociedade está cheia. 
Texto publicado no jornal Diário da Manhã no dia 06 out. 2014. Disponível em: <http://www.dm.com.br/jornal/#!/view?e=20141007&p=21

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