A partir de algumas leituras iniciantes (rasas), sobre campos teóricos
da identidade, linguagem, sexualidade e educação, vieram-me à reflexão alguns
pontos
que carecem ser discutidos nesse artigo. Necessitam ser discutidos, tendo em
vista que a escola é produtora de sujeitos e discursos, sendo importante para a
emancipação social (ou não) de quem transita por ela. Os pontos abordados brevemente
ao longo dessa escrita são: a masculinidade hegemônica, os binarismos
“hierarquizantes” das identidades no contexto social e os aspectos
“biologizantes” e higienista na abordagem escolar da sexualidade.
Apropriando-me do
discurso de um pesquisador e linguista da UFRJ, Luiz Paulo da Moita Lopes, penso
que é possível problematizar as maneiras de quem podemos
ser e de quem seremos nos espaços escolares na contemporaneidade. Ora, é nesse sentido que
anseio compreender sobre as maneiras discursivamente construídas nos espaços
escolares sobre a diversidade sexual. Percebe-se na atualidade uma invisibilidade no contexto escolar
referente às identidades afetivo-sexuais que insurge num silenciamento por
parte de alguns professores, esse silêncio corrobora um contexto educativo
marcado por uma hetenormatividade pautada pelos binarismos que privilegiam
alguns e excluem outros. Nesse contexto, percebemos ainda o “gênero masculino
genérico” nos contextos discursivos e pedagógicos de nossas escolas, só para
ilustrar, são algumas vozes que se cruzam: “atenção meninos prestem atenção na
aula”, “bom dia meninos, tenho de dar um recado”, “meninos fiquem na fila,
agora!”. Esses são discursos genericamente masculinos, propagados de forma
naturalizada, colocando todos/as em uma maneira única de ser nos espaços
sociais, as alunas são também consideradas “meninos” nessas vozes. Compreendemos que há ainda, uma
hierarquização do que é “ser masculino” e “ser feminino” dentro dos muros da
escola. Intui-se que nos espaços intramuros, os/as alunos/as são despidos de
suas identidades e sexualidades, na medida em que são enunciados discursos hierarquizadores
e controladores, ou seja, o/a discente deixa a sua sexualidade do lado de fora
da escola (para ser aceito) e negocia o “jeito de ser” esperado pela
normatividade imposta.
Ao se pensar em
“masculino” e “feminino”, se faz importante pensar nas dicotomias que se
ancoram na lógica perversa dos binarismos. Nessa perspectiva, o primeiro é
sempre o superior, o “normal”, o permitido, o aceito, o reconhecido e
enaltecido na/pela sociedade. O segundo é o inferior, o “anormal”, o
“estranho”, o “alienígena”, o “monstro”. Sendo assim, o/a estudante passa a ser
a “coisa” que tem a sua sexualidade “descrita, regulada, governada e não tolerada”
nos ambientes em que transita. Diante disso, percebem-se no contexto da escola,
discursos fundamentados pelas noções da masculinidade hegemônica, vieses
higienistas e biologizantes. Convém observar que professores de distintas áreas
podem ao não estarem atentos aos novos arranjos sociais, reproduzirem uma
educação alienante nos espaços em que atuam anulando recintos democráticos de
reflexão. É possível perceber ainda, a existência de diversas práticas
pedagógicas nas escolas que naturalizam discursos, e que promovem uma
“amputação simbólica” de direitos daqueles/as que não se enquadram no que essa
instituição ou a sociedade exige, (a escola reproduz o que a sociedade é do
lado de fora). Diante disso, faz-se importante mencionar algumas práticas
existentes nas estâncias escolares que favorecem a exclusão: tratar da
sexualidade no viés biologizante e higienista, trazendo nos discursos sobre
sexualidade, a tônica das doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) e a
prevenção da gravidez, esquecendo-se dos aspectos e sensações de prazer que envolve
a sexualidade, portanto, é uma abordagem limitadora e repressora que constrói
compreensões de cunho reprodutivo-sexual, pois, o sexo biológico é a tônica
dessa abordagem.
É importante se atentar
para as noções construídas pela cultura do que é ser masculino e feminino, pois,
através de suas crenças e valores, um profissional da educação poderá pensar que
um/a aluno/a homossexual, travesti, transexual ou uma aluna lésbica não são
“aptos” a participarem dos jogos que envolvem práticas lúdicas reconhecidas e
legitimadas acerca do que é masculino e/ou feminino. Na sociedade tudo aquilo
que contraria a norma, passa a ser concebido como “anormal” e nas identidades e
sexualidades, isso não seria diferente. Enunciados são elicitados em sala de
aula homogeneizando meninas e meninos, sem o devido questionamento, pois que essa
prática está naturalizada nas interações sociais. Portanto, questiona-se: que
escola é essa norteada por discursos da inclusão, que favorece a exclusão através
das maneiras de ser de seus alunos/as? Essa instituição não deveria ser um
ambiente promotor da cidadania, agenciando espaços para problematizações sobre
os novos arranjos sociais que insurgem na contemporaneidade? A escola não
deveria ser um lugar para emancipação social? Respeitar a diversidade não seria
pensar que todos devem ter os mesmos direitos e acesso à educação? Que escola é essa que discrimina o diferente
daquilo que ela quer e/ou aceita como o normal?
Como educador, (re)
afirmo que é urgente que se abra espaços para discussões acerca da diversidade
nos contextos escolares, pois, não
se podem negligenciar as oportunidades de debates sobre as complexidades
que permeiam as práticas sociais e pedagógicas. Entende-se que a diversidade às
vezes é lembrada somente em semanas pedagógicas em que na maioria das vezes oferece
uma palestra e depois, é esquecida ao longo do ano. Isso é uma ação improfícua,
pois, não promove a transformação e a reflexão, torna-se somente uma “data
comemorativa” no calendário pedagógico da escola. Problematizar sobre
sexualidades é primeiramente “munir-se de conhecimento”, e não (re) produzir
nos ambientes escolares os tantos “achismos”, que em vez de descontruir
binarismos e masculinidades hegemônicas, só favorecem a reprodução e a exclusão
daquele/a que é diferente do que a normatividade legitima. Debater sobre temas
complexos pressupõe estudos, discussões e abertura por parte da escola, dos
professores e de toda a sociedade.
Portanto, pensar
educação é compreender a dinâmica social como algo mutável, em intensa transformação,
sempre em movimento. As identidades são “híbridas, cambiantes, negociáveis, múltiplas
e contraditórias”. Não há sentido então, diante dessas reflexões, que a escola
ainda queira compartimentar ou homogeneizar os/as seus alunos/as para que sejam
aquilo que ela acha que é “certo”. A escola precisa compreender a diversidade e
deixar os seus “achismos”, pois, embora ela fabrica sujeitos que a sociedade
legitima, ela não pode ( embora instale) ,construir as maneiras que o outro é no que se refere à pluralidade.
Artigo publicado no dia 15/06/2012 pelo jornal Diário da Manhã na seção "Opinião Pública"
Disponível em: <http://www.dmdigital.com.br/novo/#!/view?e=20120615&p=22>
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