quinta-feira, 14 de junho de 2012

AS MANEIRAS (IM) POSTAS DE SER NA CONTEMPORANEIDADE: SEXUALIDADES “DESVIANTES” NO CONTEXTO ESCOLAR




A partir de algumas leituras iniciantes (rasas), sobre campos teóricos da identidade, linguagem, sexualidade e educação, vieram-me à reflexão alguns pontos que carecem ser discutidos nesse artigo. Necessitam ser discutidos, tendo em vista que a escola é produtora de sujeitos e discursos, sendo importante para a emancipação social (ou não) de quem transita por ela. Os pontos abordados brevemente ao longo dessa escrita são: a masculinidade hegemônica, os binarismos “hierarquizantes” das identidades no contexto social e os aspectos “biologizantes” e higienista na abordagem escolar da sexualidade.
Apropriando-me do discurso de um pesquisador e linguista da UFRJ, Luiz Paulo da Moita Lopes, penso que é possível problematizar as maneiras de quem podemos ser e de quem seremos nos espaços escolares na contemporaneidade. Ora, é nesse sentido que anseio compreender sobre as maneiras discursivamente construídas nos espaços escolares sobre a diversidade sexual. Percebe-se na atualidade uma invisibilidade no contexto escolar referente às identidades afetivo-sexuais que insurge num silenciamento por parte de alguns professores, esse silêncio corrobora um contexto educativo marcado por uma hetenormatividade pautada pelos binarismos que privilegiam alguns e excluem outros. Nesse contexto, percebemos ainda o “gênero masculino genérico” nos contextos discursivos e pedagógicos de nossas escolas, só para ilustrar, são algumas vozes que se cruzam: “atenção meninos prestem atenção na aula”, “bom dia meninos, tenho de dar um recado”, “meninos fiquem na fila, agora!”. Esses são discursos genericamente masculinos, propagados de forma naturalizada, colocando todos/as em uma maneira única de ser nos espaços sociais, as alunas são também consideradas “meninos” nessas vozes. Compreendemos que há ainda, uma hierarquização do que é “ser masculino” e “ser feminino” dentro dos muros da escola. Intui-se que nos espaços intramuros, os/as alunos/as são despidos de suas identidades e sexualidades, na medida em que são enunciados discursos hierarquizadores e controladores, ou seja, o/a discente deixa a sua sexualidade do lado de fora da escola (para ser aceito) e negocia o “jeito de ser” esperado pela normatividade imposta.
Ao se pensar em “masculino” e “feminino”, se faz importante pensar nas dicotomias que se ancoram na lógica perversa dos binarismos. Nessa perspectiva, o primeiro é sempre o superior, o “normal”, o permitido, o aceito, o reconhecido e enaltecido na/pela sociedade. O segundo é o inferior, o “anormal”, o “estranho”, o “alienígena”, o “monstro”. Sendo assim, o/a estudante passa a ser a “coisa” que tem a sua sexualidade “descrita, regulada, governada e não tolerada” nos ambientes em que transita. Diante disso, percebem-se no contexto da escola, discursos fundamentados pelas noções da masculinidade hegemônica, vieses higienistas e biologizantes. Convém observar que professores de distintas áreas podem ao não estarem atentos aos novos arranjos sociais, reproduzirem uma educação alienante nos espaços em que atuam anulando recintos democráticos de reflexão. É possível perceber ainda, a existência de diversas práticas pedagógicas nas escolas que naturalizam discursos, e que promovem uma “amputação simbólica” de direitos daqueles/as que não se enquadram no que essa instituição ou a sociedade exige, (a escola reproduz o que a sociedade é do lado de fora). Diante disso, faz-se importante mencionar algumas práticas existentes nas estâncias escolares que favorecem a exclusão: tratar da sexualidade no viés biologizante e higienista, trazendo nos discursos sobre sexualidade, a tônica das doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) e a prevenção da gravidez, esquecendo-se dos aspectos e sensações de prazer que envolve a sexualidade, portanto, é uma abordagem limitadora e repressora que constrói compreensões de cunho reprodutivo-sexual, pois, o sexo biológico é a tônica dessa abordagem.
É importante se atentar para as noções construídas pela cultura do que é ser masculino e feminino, pois, através de suas crenças e valores, um profissional da educação poderá pensar que um/a aluno/a homossexual, travesti, transexual ou uma aluna lésbica não são “aptos” a participarem dos jogos que envolvem práticas lúdicas reconhecidas e legitimadas acerca do que é masculino e/ou feminino. Na sociedade tudo aquilo que contraria a norma, passa a ser concebido como “anormal” e nas identidades e sexualidades, isso não seria diferente. Enunciados são elicitados em sala de aula homogeneizando meninas e meninos, sem o devido questionamento, pois que essa prática está naturalizada nas interações sociais. Portanto, questiona-se: que escola é essa norteada por discursos da inclusão, que favorece a exclusão através das maneiras de ser de seus alunos/as? Essa instituição não deveria ser um ambiente promotor da cidadania, agenciando espaços para problematizações sobre os novos arranjos sociais que insurgem na contemporaneidade? A escola não deveria ser um lugar para emancipação social? Respeitar a diversidade não seria pensar que todos devem ter os mesmos direitos e acesso à educação?  Que escola é essa que discrimina o diferente daquilo que ela quer e/ou aceita como o normal?
Como educador, (re) afirmo que é urgente que se abra espaços para discussões acerca da diversidade nos contextos escolares, pois, não se podem negligenciar as oportunidades de debates sobre as complexidades que permeiam as práticas sociais e pedagógicas. Entende-se que a diversidade às vezes é lembrada somente em semanas pedagógicas em que na maioria das vezes oferece uma palestra e depois, é esquecida ao longo do ano. Isso é uma ação improfícua, pois, não promove a transformação e a reflexão, torna-se somente uma “data comemorativa” no calendário pedagógico da escola. Problematizar sobre sexualidades é primeiramente “munir-se de conhecimento”, e não (re) produzir nos ambientes escolares os tantos “achismos”, que em vez de descontruir binarismos e masculinidades hegemônicas, só favorecem a reprodução e a exclusão daquele/a que é diferente do que a normatividade legitima. Debater sobre temas complexos pressupõe estudos, discussões e abertura por parte da escola, dos professores e de toda a sociedade.
Portanto, pensar educação é compreender a dinâmica social como algo mutável, em intensa transformação, sempre em movimento. As identidades são “híbridas, cambiantes, negociáveis, múltiplas e contraditórias”. Não há sentido então, diante dessas reflexões, que a escola ainda queira compartimentar ou homogeneizar os/as seus alunos/as para que sejam aquilo que ela acha que é “certo”. A escola precisa compreender a diversidade e deixar os seus “achismos”, pois, embora ela fabrica sujeitos que a sociedade legitima, ela não pode ( embora instale) ,construir as maneiras que o outro é  no que se refere à pluralidade.


Artigo publicado no dia 15/06/2012 pelo jornal  Diário da Manhã na seção "Opinião Pública"

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