domingo, 23 de dezembro de 2012






Entre cliques e links: reflexões para as diversidades

Inicio esse breve texto com a reflexão de Moita Lopes (2003) que afirma: “[...] as instituições e as coletividades operam na legitimação institucional, cultural, e histórica de certas identidades sociais, enquanto outras são tornadas ilegítimas, destruídas, encarceradas, desempregadas e patologizadas”. Não por acaso, essa citação circunscreve a compreensão que tenho sobre a maneira implícita atualmente das redes sociais e da televisão brasileira que favorecem a exclusão daquele(a) que não é o modelo reconhecido na e pela sociedade. Compreendo dessa maneira que as redes sociais e a televisão ‘patologizam ‘ o diferente. 
Ultimamente, após algumas práticas sociais existentes numa rede social que tem tornado ou tentado tornar a vida dos ‘internautas’ como verdadeira, pude perceber uma exacerbada “espetacularização” de alguns usuários no que se refere ao “aparecer”, à visibilidade e popularidade a todo custo. Guy Debord chamaria isso de “espetacularização do eu”, ou a “sociedade do espetáculo”. Isso chamou-me a atenção, pois, se não bastasse as ‘chuvas imagéticas’ compartilhadas nesses espaços virtuais para escandalizar a vida humana ,há também um amontoado de imagens  que vão desde o aborto de fetos (crianças dentro de privadas, em córregos e/ou formóis), a pessoas portadoras de neoplasias expostas e  turistas  que  almejam ( ou não) serem vistos em público praticando sexo em noite sertaneja etc.  
Percebem-se também nessa fábrica de sonhos e misérias (as tais redes sociais e a televisão), algumas modalidades aceitas e até “curtidas” pelos internautas e telespectadores que vão desde os deboches e piadas (gratuitamente perversas), a subalternização do outro ou daquele que não é o outro-modelo. Assim, por causa de determinados “atravessamentos identitários” não aceitos pela sociedade, vê-se uma quantidade de pessoas serem violentadas por causa de suas condições. Condições essas, econômicas, afetivo-sexuais, gênero, étnica, etc. E o que mais horroriza, é perceber uma violência perversa e simbólica se instaurar na sociedade de forma naturalizada, ou seja, naturalizaram-se as práticas discriminatórias nas redes sociais e na televisão. Muitos acham engraçado, reproduzem e curtem as tais práticas. Nesse sentido, compreendo que o sujeito social está reificado (por isso não é sujeito, é objeto), coisificado, uma vez que não reflete ou transforma o lugar que está inserido, apenas torna-se automatizado e repetidor de enunciados que na maioria das vezes são pobres de crítica e vinculados ao senso comum. Isto é, nesse emaranhado discursivo, é comum a aceitação e a desvalorização que transforma o outro em invisível, inferior e subalterno em relação à norma instituída, pois, piadas são contadas e aplaudidas tanto nas redes sociais, quanto nas relações sociais. Aceita a piada do pobre, do negro, do gay, da mulher loura, porque isso é engraçado. Reconhece o indivíduo popular na ‘rede’ quando este violenta a condição do outro em ser diferente. Programas televisivos ganham audiências quando insere o ‘gay personagem’ nos seus esquetes, por exemplo.
Ao se pensar em “atravessamentos identitários”, compreende-se que estes circulam ou se imbricam na (re)constituição das identidades ( não hegemônicas). Dessa maneira, podem ser postos e construídos de maneira subalternizados. Nesse sentido, ao se colocar algumas identidades inferiorizadas em relação aos modelos impostos socialmente, excluem-se outros que não terão as mesmas prerrogativas, uma vez que não são e não serão modelos dentro dessa lógica que privilegia somente os “normais”. E aqui nesse texto, tomo como empréstimo a compreensão do “normal e anormal” proposta por Foucault (vide Os Anormais: curso no Collège de France. São Paulo: Martins Fontes, 2001).
Sendo assim, o gordo, o negro, o gay, o pobre, etc. podem ser “anormais” na medida em que não se assimilam à norma legitimada. Podem ser “anormais” porque são estranhos aos padrões, aos discursos institucionalizados. Ou melhor, nessa lógica (daquele fora da norma), o gordo, o negro, o pobre constitui as ‘identidades do espetáculo’ que todos devem divertir-se, achincalhar e criar piadas ‘criativas’. Espetáculos a qualquer preço, não importa como, se através da dor do outro, da condição do outro, do menosprezo do outro. Por isso, clamo às escolas, que promovam debates com pesquisadores/especialistas sobre o tema do bullying, mas não de forma fragmentada e engessada como propõem os almanaques de autoajuda (infelizmente tão comum na prática pedagógica hodierna). Não deixemos que a temática da discriminação seja lembrada somente nas semanas pedagógicas, pois, as práticas discriminatórias estão no cotidiano da escola, da vida , seja nos discursos, seja nas inofensivas brincadeiras que estão sendo aceitas socialmente. Assim, as brincadeiras tornam-se verdadeiros shows, onde a disputa do mais criativo é travada na arena discursiva.
Severino (2008) ilustra bem esse texto quando penso no Brasil e a sua história, pois, o pesquisador confirma que a experiência “histórica da sociedade brasileira é marcada pela realidade brutal da violência, do autoritarismo, da dominação, da injustiça, da discriminação, da exclusão”. Basta observar como alguns veículos de comunicação constroem essas identidades ‘desviantes’. Geralmente de forma caricaturesca (veja programas de humor com baixa crítica), o gay, o gordo, o negro, a mulher loura são sempre os estereotipados. São às vezes engraçados, aculturados e inferiores em relação aos demais ‘normais’ da sociedade. Assim, o que se compreende é que os veículos de baixa crítica têm uma brilhante capacidade de distorcer a realidade porque favorece uma pedagogia que educa e constrói sentidos. Sentidos esses perigosos, pois, inferioriza, exclui e materializa estereótipos, sem possibilitar aos telespectadores uma avaliação crítica da realidade, posto que ao se estereotipar as identidades, ‘verdades’ são construídas e reiteradas no meio social.
Desta forma, em um país que poucos têm acesso aos bens culturais formais, nada mais ‘natural’ que a televisão seja a primeira babá de nossas crianças. Isso vai refletir na forma de lidar até com as ferramentas tecnológicas no presente e no futuro, porque ao ver um negro, um gay, um gordo, ou quaisquer identidades no âmbito social, será possível que os significados construídos (da exclusão e do riso gratuito) deem-se da maneira como esse indivíduo se relaciona com o mundo. Ensinou a criança a rir, zombar e construir sentidos sobre o diferente sem uma visão política, crítica e cidadã da realidade, então, isso será comum e aceito por ela. Zombar, rir, discriminar será uma prática social aceita e até ‘inofensiva’ na família, na escola, na igreja, nos órgãos públicos, nas redes sociais, enfim, nas instituições.  
O que defendo nessa breve escrita é pensar nessa vida que já está tão sentido, diante de tudo que o mundo contemporâneo apresenta através dessa complexidade: fragmentação do outro e de nós, coisificação/reificação das relações que se materializam em afetos cada vez mais “líquidos”. Violência e exclusão que se constroem no consumismo exacerbado de corpos, de pessoas, de tudo. Consumir é a palavra de ordem que impera nessa sociedade ‘pós-moderna’. Zigmunt Bauman, um sociólogo polonês, afirma que não podemos mais retornar ao ‘mundo sólido’, ao mundo em que não há liquidez, mas, podemos pensar em um mundo onde pessoas vivam melhores com todo esse ‘mundo descontrolado’. E o primeiro passo, talvez, (posso ser simplista aqui por não fazer uma análise sociológica do fenômeno, pois, não é objetivo desse texto) seja o reconhecimento dessas diversidades, seja respeitar o direito do outro em ser diferente. Permitir o direito do outro não ser padronizado (por uma lógica cada vez mais seriada) ou ainda que seja padronizado, oportunizar o direito do outro de acessar o conhecimento e de despradronizar-se. Ou melhor, promover a alteridade no convívio social.
Diante de tantas notícias sensacionalistas veiculadas pelas mídias, proponho que os usuários das redes sociais reflitam para que não alimentem o barbarismo, a discriminação, a exclusão, a banalidade. Com a barbárie sendo valorizada, a tendência é somente tornarmo-nos reféns do medo, da insegurança que convergem com a violência, cada vez banal, pois, tornou-se natural nas redes sociais, no cotidiano e na vida: a violência. Nesse sentido, percebe-se nessas redes sociais uma crescente aceitação dessas práticas violentas do ser humano de excluir o diferente. Tornam-se banalizadas quaisquer relações que se fazem nos ‘faces’ ou nas ‘faces’ da vida. A quantidade de ‘amigos’ que se têm demonstra o lugar social que você merece ter e se apropriar. Sendo assim, quanto mais ‘amigos’ tiver na rede, “melhor será a minha e a sua popularidade”. Quanto mais postagens houver na página pessoal, é sinal de popularidade e o espetáculo será grandioso. Afinal, “vale tudo nessa nova ferramenta virtual para (a)parecer, famoso e popular”. Aceitam-se até comentários preconceituosos, porque, isso indica autoria e criatividade. Nessa luta de gladiadores, diariamente tem-se a obrigação de vencer o ‘adversário’, diminuindo-o através das piadas, dos risos e da inferiorização.
Deste modo, é preciso que haja nessas redes sociais (e na televisão) um espaço de (des)contrução de saberes e práticas, para que  aconteça uma democratização da cultura e do conhecimento ( tão em falta nesses contextos) . Que seja extinta qualquer forma de opressão e discriminação, seja ela, identitária, afetivo-sexual, de raça, gênero, classe, etc. As pessoas deveriam perceber que hierarquizar todas essas características (sejam através das brincadeiras, das imagens e de outras linguagens) é conceber que exista uma identidade, uma raça, um gênero, uma classe superior à outra. A proposta é tão simbólica em discutir o preconceito na televisão brasileira, por exemplo, que até a novela remete ao negro sensual (por isso carnal, pecaminoso) e objeto de desejo dos senhores dos escravos (veja o remake da tarde). O gay também é ‘fabricado’ na televisão como um ser assexuado, elitizado e branco, quando não, fofoqueiro, engraçado, amigo de toda mulher e afetivo à moda. Ou seja, com a boa intenção (que o inferno está cheio), reforçam-se estereótipos e reitera-os, favorecendo uma sociedade marcada por ‘ditos e escritos’ das identidades não condizentes com a realidade.
Portanto, é inadmissível em um mundo contemporâneo que haja exclusão por causa da diferença e constituição subjetiva do outro. Novas formas de ser e estar no mundo devem ser (re)pensadas e (re)aprendidas nesse novo mundo. Busquemos desnaturalizar as práticas discriminatórias que se inicia nesses espaços sociais, não compartilhando links ou imagens promotoras de um riso gratuito, perverso e violento. O preconceito e a segregação andam de mãos dadas com a ignorância. Mas o preconceito pode ser combatido quando a sociedade tiver espaços democráticos de reflexão, porque o preconceito é uma característica cultural e pode ser desaprendido, desconstruído. Como bem asseverou Nelson Mandela: "Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar". Por conseguinte, a reflexão transpõe os bancos escolares, a família, a igreja, as instituições. Vai, além disso. Reflexão é colocar os questionamentos em circulação, desnaturalizando as práticas sociais ‘inofensivas’, as linguagens e os discursos sexistas, misóginos e homofóbicos que se tornam excludentes e muito aceitos socialmente. Assim, espero que a vida seja um espetáculo de respeito e reconhecimento das diversidades! Assim, espero que as diversidades sejam respeitadas e reconhecidas no espetáculo da vida!

                                                                     by Aldo Fernandes!


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