terça-feira, 27 de maio de 2014

Sinestésicos jeitos da vida...


Roubo há muito tempo. Quando roubava era uma necessidade incontrolável. Ouvia vozes que ordenavam. Desde tenra idade estas me tiravam o sossego.  Nos tempos de outrora sentia que o desassossego era o grito d’alma em busca de algo maior na existência humana. Gritava e ninguém ouvia. Silenciava. Roubava tudo o que via para que o meu lugar no mundo fosse reconhecido e ouvido. Os meus ouvidos furtavam as histórias alheias. Era uma forma pela qual fazia o outro existir em mim. A minha boca surrupiava beijos alheios. Outra maneira de sentir o hálito da vida humana. Os meus olhos sonegavam as indignidades do mundo. Intuito pelo qual escondia o desumano. O meu paladar encobria os odores da terra corrompida. Era uma maneira de misturar a hipocrisia e aromatizar a existencialidade do outro e de mim. As minhas mãos tateavam corpos: corpos-híbridos, corpos-carcaças, corpos-descartáveis. Uma forma de apropriar dos corpos negados.  Desde há tempos fui ladrão. Todas as formas de roubo que se davam eram sinestésicos jeitos de sentir a vida e apropriar-se dela. Amo roubar vidas, entendê-las e guardá-las em meu ser como um suvenir presenteado por um estimado humano. No tempo presente os gritos se materializaram. Não são mais aqueles que me inquietavam no passado. São pessoas que se fundem em meus diversos entrecruzares existenciais... Roubar existências para mim é um ato de coragem, porque humaniza o indivíduo esquecido, silenciado, coisificado. Assumo: SOU LADRÃO.    

Nenhum comentário: